Novos áudios encontrados em equipamentos apreendidos com padre Robson de Oliveira, que era investigado por desvio de dinheiro de fiéis doados à Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, mostram quando o sacerdote diz a um advogado que a morte de um dirigente da entidade, Anderson Fernandes, envolvido em esquemas de suborno, seria conveniente a ele, segundo a investigação. Obtidas com exclusividade pelo Fantástico, gravações também indicam pagamento a desembargadores.

“Se você pudesse matar ele para mim, eu achava uma benção. Acaba com esse cara, bicho. Isso aí só vai atrapalhar nossa vida. Para mim, até hoje, foi um atraso”, disse Robson em áudio enviado a advogado.

Em nota ao Fantástico, a defesa de padre Robson disse que desconhece o conteúdo das mensagens e que elas são “frutos de montagens e adulterações feitas por pessoas inescrupulosas”. A nota disse ainda que o padre é vítima de extorsão e perseguição.

Anderson Fernandes, em nota enviada ao Fantástico, afirma que o episódio em que o padre disse que queria matá-lo era claramente uma brincadeira. Ele disse que Robson falava isso brincando com frequência, inclusive na frente dele. Anderson alega ainda que a gravação é claramente uma montagem e que está sendo utilizada de forma descontextualizada e errônea.

Sobre o suposto suborno a desembargadores, a presidência do Tribunal de Justiça de Goiás afirma que não se pode presumir a ocorrência de irregularidades no julgamento de processos a partir de conversa mantida entre advogado e cliente.

G1 solicitou um posicionamento à Afipe, na noite de domingo (21), e aguarda retorno.

Padre Robson era investigado na Operação Vendilhões, que cumpriu mandados de busca e apreensão em agosto de 2020, para apurar crimes como lavagem de dinheiro, apropriação indébita e falsidade ideológica nas “Afipes”, associações criadas por padre Robson e que movimentaram em torno de R$ 2 bilhões em dez anos. De acordo com a investigação, os valores desviados foram usados, entre outros fins, para a compra de fazendas, um avião e uma casa de praia.

O processo que investiga as supostas irregularidades está interrompido pela Justiça. O Ministério Público de Goiás já apresentou recurso no Superior Tribunal de Justiça, mas ele ainda não foi analisado.

Gravações

Os áudios divulgados neste domingo (21), conforme a investigação do MP, reforçam o envolvimento do padre nos crimes. De acordo com a investigação, muitos foram registrados durante reuniões, que o padre costumava gravar secretamente.

Segundo os investigadores, todas as gravações passaram por perícia técnica, que comprovou serem mesmo do padre. Os áudios estavam em HDs, computadores e no celular do padre – material que foi apreendido durante a operação do Ministério Público.

Arquivo: Padre Robson Oliveira fundou a Afipe — Foto: Reprodução/Instagram
Arquivo: Padre Robson Oliveira fundou a Afipe — Foto: Reprodução/Instagram

Segundo o MP-GO, um e-mail trocado entre os dois principais dirigentes da Afipe, Rouane Caroline Martins e Anderson Fernandes, eles afirmam que devem proteger o padre. “Anderson, temos que proteger o padre. Se colocarem as mãos em determinados documentos, vai todo mundo preso”, escreveram.

Em uma das reuniões gravadas pelo padre, Anderson pede uma parcela do dinheiro desviado.

Padre: “Então, você fez uma solicitação na ordem de R$ 4 milhões?”
Anderson: “Eu coloquei os valores que o senhor havia prometido para mim, eu perguntei se o senhor poderia acertar alguma coisa comigo daquilo ali, só isso que eu fiz.”
Padre: “Vamos acertar”.

Rouane Martins não quis se pronunciar sobre a reportagem, segundo o Fantástico.

Extorsão de dinheiro por motivos amorosos

Os áudios indicam que o padre subornava várias pessoas, como o marido de Talitta Di Martino. Segundo a investigação, ela trabalhava na Afipe e tinha um relacionamento amoroso com o padre. Por isso, supostamente, Robson teria pago R$ 350 mil ao marido dela, o jornalista Tyrone Di Martino, com a justificativa de que ele ia escrever uma biografia dele. Entretanto, um áudio do próprio padre desmente a contratação do serviço.

“Você acha que eu ia dar R$ 350 mil pra ele por um servicinho daquele de biografia da minha vida? Aquilo foi extorsão, Talitta. Extorsão pura”, diz o áudio.

Perguntado sobre o contrato de R$ 350 mil para escrever a suposta biografia do padre, Tyrone não respondeu ao Fantástico. Ele defendeu o padre, afirmando que “uma perícia policial comprovaria que “centenas de mensagens, áudios e vídeos foram montados por hackers” e “transmitidos a diversos celulares”. Talitta também não respondeu aos questionamentos do Fantástico.

Imagem de quando padre mandou funcionária pagar hacker que tinha extorquido dinheiro dele em 2017, segundo investigação  — Foto: Reprodução/TV Globo
Imagem de quando padre mandou funcionária pagar hacker que tinha extorquido dinheiro dele em 2017, segundo investigação — Foto: Reprodução/TV Globo

Em 2017, outro caso de extorsão de dinheiro envolveu o sacerdote. Padre Robson deu queixa à polícia, na época, por causa de um hacker que invadiu o computador dele e exigiu dinheiro para não divulgar informações sobre relacionamentos amorosos. Policiais prenderam o hacker, mas, de posse do material, também teriam passado a extorquir dinheiro padre.

Após isso, esse material também teria chegado às mãos de uma jornalista, que contou a história ao marido dela, identificado como Ubiramar dos Santos, chamado de “Bira”. De acordo com a investigação, ele decidiu chantagear o padre, que denunciou a situação à Polícia Civil. A investigação ficou a cargo da delegada de Trindade, Renata Vieira da Silva, que foi afastada do cargo na última sexta-feira (19) por suspeita de favorecimento ao padre.

Conforme os investigadores, houve várias trocas de mensagens entre a delegada e o padre. Em uma delas, o padre diz que ele mesmo vai “dar um chega” em Bira: “Eu vou tentar usar dos meios que eu conheço pra persuadi-lo a me dizer realmente se o que ele tem é algo interessante. Eu vou levar um policial e uma pessoa armada, para me proteger. A gente vai fazer isso tudo fora do padrão legal. Nós vamos dar um chega nesse caboclo lá, mas vai ser na base do “faroeste caboclo”.

Depois, ele pede ajuda à delegada. “É um caso extremo, né? Se for preciso criar uma história em cima disso aí, você tá junto comigo. Você me libera dessa situação, se acontecer o extremo ali”.

No dia marcado para o encontro com o Bira, o padre também gravou a conversa. Eles terminam o diálogo negociando uma extorsão no valor de R$ 200 mil. Veja a transcrição do áudio:

Padre: “O que você tem mesmo sobre mim? Que possa me afetar. Você falou que tem cópias. Tem alguma aí no seu carro?”
Bira: “Não.”
Padre: “Porque, assim, se eu não tiver um material palpável, como é que eu vou entender que isso é relevante, entendeu?”
Padre: “Bira, deixa eu te explicar uma coisa: eu sou um sacerdote”.

Após isso, Bira pede R$ 500 mil e o padre faz uma contraproposta:


Padre: “Você não abaixa esse valor de R$ 500?”.
Bira: “Não”.
Padre: “Então vamos combinar 200 mil”.
Padre: “Anota meu telefone aí. Você vai pensar esse valor melhor”.

Segundo a investigação, a delegada Renata teria chegado a corrigir um depoimento dado pelo padre à polícia. Em troca, segundo os investigadores, ela ganhou o contrato para venda de fragrância aromatizante na igreja de Trindade. Após o afastamento da delegada, a Delegacia de Polícia Civil de Trindade está sob intervenção.

Ao Fantástico, a delegada Renata Vieira disse, em nota, que é amiga do padre desde 2009 e que também presidiu investigação de eventual crime de extorsão, em que o padre era vítima, e que obedeceu as normas da lei.

Ubiracimar dos Santos não se pronunciou sobre o caso ao ser questionado pelo Fantástico.

Obra da nova Basílica de Trindade; construção  deve custar R$ 1,4 bilhão após previsão inicial de R$ 100 milhões  — Foto: Reprodução/Fantástico
Obra da nova Basílica de Trindade; construção deve custar R$ 1,4 bilhão após previsão inicial de R$ 100 milhões — Foto: Reprodução

Suposto suborno a desembargadores

Além disso, o padre Robson também tinha envolvimento com alguns desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), conforme a investigação. Em um dos casos descobertos, ocorrido em 2019, a Afipe comprou uma fazenda em Goiás, mas foi processada pelo dono após um calote de R$ 15 milhões. Na época, a Afipe perdeu a ação, mas conseguiu reverter a sentença na segunda instância.

Segundo a apuração do Fantástico, a vitória na sentença teve um preço, que foi discutido pelo padre durante uma reunião com o dirigente da Afipe Anderson Fernandes, que também é advogado, e com o advogado Cláudio Pinho.

Advogado: “Deixa eu falar um negócio para o senhor. Só para relembrar. Uma parte desse valor já não me pertence”.
Anderson: “Ele está dizendo que, para ganhar lá no Tribunal, ele comprou pessoas”.
Padre: “Qual é essa parte?”.
Advogado: “O senhor se comprometeu com R$ 750 mil lá. Só para o senhor ter uma noção: dos três desembargadores, R$ 500 mil para um e o resto é dividido para dois”.

Ao Fantástico, o advogado Cláudio Pinho afirma que o suborno nunca aconteceu e que o áudio investigado é possivelmente uma montagem.

A presidência do TJ-GO afirma que não se pode presumir a ocorrência de irregularidades no julgamento de processos a partir de conversa mantida entre advogado e cliente.

Casa de luxo de padre Robson foi alvo de mandados de buscas e apreensões, em Trindade  — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Casa de luxo de padre Robson foi alvo de mandados de buscas e apreensões, em Trindade — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Investigação interrompida

Em outubro, a Justiça tinha determinado que as investigações deveriam ser interrompidas por entender que não estavam presentes no processo os crimes apontados pelos promotores. No entanto, em 4 de dezembro, a decisão do presidente do Tribunal de Justiça de Goiás autorizou a retomada da apuração.

Logo depois, o Ministério Público chegou a denunciar o padre ou outras 17 pessoas por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Os promotores de Justiça afirmam que o padre comandava uma organização criminosa e transferia grandes valores para empresas, com o objetivo de utilizar o dinheiro das entidades religiosas criadas por ele como seu, sem prestar contas nem se submeter às regras associativas.

Dez dias após a liberação da retomada da investigação, outra sentença, desta vez dada pelo desembargador do TJ-GO Leobino Chaves Valente, voltou a determinar o bloqueio do mesmo processo. Em 17 de dezembro, uma sentença do Superior Tribunal de Justiça reforçou a decisão do magistrado. Foi quando o MP-GO entrou com novo recurso.

Ao Fantástico, o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, disse que vê motivos para retomar a investigação.

“A gente está vendo com clareza obstrução de Justiça. Nós estamos vendo tráfico de influência, lavagem de dinheiro, organização criminosa. Uma ação de uma quadrilha que se apoderou de uma igreja e começou a produzir ‘n’ frutos criminosos”, diz Miranda.

G1