As mudanças na estratégia da vacinação contra a Covid-19 colaboraram para a falta de vacinas em vários estados brasileiros, segundo o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e especialistas ouvidas pelo G1. Na última semana, pelo menos oito capitais do país pararam a imunização por falta de doses (neste domingo, há cinco capitais que ainda não retomaram a vacinação da segunda dose).

Em fevereiro, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, orientou as prefeituras a usar todo o estoque para garantir a primeira dose sem se preocupar com a segunda dose. Pazuello dizia que “com a liberação para aplicação de imediato de todo o estoque de vacinas guardadas nas secretarias municipais, vamos conseguir dobrar a aplicação”.

Dias depois, o Ministério da Saúde voltou atrás e disse que os estados e municípios deveriam reservar a segunda dose da vacina CoronaVac, que tem um intervalo entre doses de 28 dias.

Um mês depois, o Ministério da Saúde autorizou que todas as vacinas armazenadas pelos estados e municípios para garantir a 2ª dose fossem utilizadas imediatamente como 1ª dose.

Para o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o atraso “decorre da aplicação da segunda dose como primeira dose”. “Logo que houver entrega da CoronaVac, [o problema] será solucionado”, disse ele.

Por que faltam vacinas?

O Ministério da Saúde não seguiu a recomendação dos especialistas, que determina que se deve guardar vacinas com prazo de validade relativamente curto e que exigem duas doses.

Quando o general Eduardo Pazuello era ministro da Saúde, ele orientou as prefeituras a usar todo o estoque para garantir a primeira dose sem se preocupar com a segunda dose. Pazuello dizia que “com a liberação para aplicação de imediato de todo o estoque de vacinas guardadas nas secretarias municipais, vamos conseguir dobrar a aplicação”.

Em 21 de março, dois dias antes de Pazuello deixar o cargo, a Secretaria de Vigilância em Saúde, o órgão do Ministério da Saúde responsável pela campanha de vacinação, autorizou o uso imediato, para primeira dose, de todo o estoque de vacinas armazenadas pelos estados para a segunda aplicação.

“O ministério fez isso, mas nós somos dependentes da China para os insumos farmacêuticos ativos (IFAs). O erro do ministério foi ter feito essa orientação sem ter garantia de que a produção estava iniciada. Contar com IFA que nem saiu da China é uma situação complicada”, diz a epidemiologista Ethel Maciel.

Ela afirma que, além dessa orientação equivocada, falta coordenação nacional para a vacinação no geral — por exemplo, cada estado decidiu qual a ordem de grupos que tinham mais prioridade.

“As doses deveriam ter sido guardadas porque sabíamos que não tínhamos segurança na previsão de receber vacinas em menos de 28 dias, e a consequência é o atraso”, diz a infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp.

Em 26 de abril, o novo ministro, Marcelo Queiroga, foi ao Senado para dizer que a orientação mudou e que, agora, o Ministério pede para que os estados armazenem metade do estoque para usar na segunda dose.

Disponibilidade depende de laboratórios

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a distribuição das vacinas “depende da disponibilização dos imunizantes pelos laboratórios”.

A pasta afirma que publica informes técnicos semanalmente com base no número de doses da vacina contra a Covid-19 entregues pelos laboratórios, e pede para que estados e municípios sigam o Plano Nacional de Operacionalização da vacinação contra a Covid-19.

O ministério recomendou que aqueles que não tomaram a segunda dose dentro do prazo “completem o ciclo vacinal com os imunizantes do mesmo laboratório assim que disponível”.

Falta de vacinas

Houve falta de vacinas contra a Covid-19 para aplicar a segunda dose em ao menos oito capitais do país nos últimos dias. As seguintes cidades chegaram a avisar que não poderiam aplicar a dose de volta ou da CoronaVac ou da AstraZeneca.

  • Rio de Janeiro
  • Aracaju
  • Fortaleza
  • Macapá
  • Natal
  • Porto Alegre
  • Porto Velho
  • Teresina

Parte delas retomou a vacinação.

Para os especialistas, os estados queimaram os estoques que deveriam ser destinados à segunda dose vacinando mais pessoas com uma dose, seguindo uma orientação dada pelo Ministério da Saúde em 21 março. Só em 26 de abril a orientação mudou.

Segundo Ethel Maciel, há muitas cidades pequenas com falta de vacina. “O profissional de saúde na ponta que sofre, há até relatos de ameaça. A polícia foi chamada em vários postos de saúde porque o paciente vê que no cartão está escrito a data de volta, ele vai lá e não tem vacina”, diz ela.

O Brasil está usando duas vacinas na campanha de vacinação: Butantan/CoronaVac e Oxford/Fiocruz. A CoronaVac foi testada com um intervalo de 28 dias entre as duas doses. Já a vacina de Oxford permite um espaçamento maior entre a primeira e segunda injeção: três meses.

Qual o problema se houver atraso na segunda dose?

Um intervalo maior entre a primeira e a segunda doses não deve influenciar no grau de proteção que as vacinas conferem, afirma Stucchi, a infectologista da Unicamp.

A tecnologia que é usada para a CoronaVac já é antiga e usada para combater outros patógenos, e isso permite concluir que um intervalo de mais do que 14 dias não muda a resposta imune dos pacientes.

O problema é que com o atraso uma parte das pessoas que foram vacinadas apenas uma vez deixa de ir ao posto para tomar a segunda dose.

Entre os profissionais da saúde, usa-se o termo aderência ao tratamento para descrever a medida em que as pessoas seguem o que os médicos determinam.

Um atraso implica uma aderência menor, diz Stucchi. “A pessoa que perde uma viagem até o posto de saúde vai ter uma atitude de mais descompromisso, mas sem a segunda dose não se garante a proteção —mesmo se houver proteção, dura pouco”, ela afirma.

O que os municípios devem fazer?

As secretarias municipais de Saúde precisam se mobilizar para evitar a queda de aderência ao tratamento com os atrasos.

A primeira coisa a fazer é entrar em contato com os pacientes que já estavam agendados e explicar que haverá um atraso, para evitar que eles percam a viagem.

Quando as vacinas chegarem, é preciso telefonar novamente, dizer que o produto chegou e pedir para que as pessoas agendem uma data.

O atraso das entregas do Butantan

Em abril, o Butantan ficou sem matéria-prima vinda da China, interrompeu envase de doses da vacina CoronaVac. No dia 19 daquele mês, um novo carregamento chegou.

Em nota, o Butantan ressaltou que “questões referentes à relação diplomática entre Brasil e China podem sim afetar diretamente o cronograma de envio de insumo farmacêutico ativo (IFA)” para a produção da vacina.

A demora na chegada do IFA fez com que o Instituto atrasasse em alguns dias a entrega de uma parte das doses que deveria ter sido repassada até o fim de abril —agora, o novo prazo é 10 de maio.

O Instituto afirma, no entanto, que “a responsabilidade pelo planejamento e logística de distribuição das doses, além da orientação técnica aos estados em relação à utilização dos dos estoques, é exclusiva do Ministério da Saúde”.

G1