A Comissão de Anistia realizou, nesta quinta-feira (30), a primeira sessão pública de 2023, após recomposição da estrutura do colegiado, em janeiro deste ano. A comissão é composta por 16 membros. Essa sessão fez parte da Semana do Nunca Mais – Memória Restaurada, Democracia Viva.

Na abertura da sessão, o assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Nilmário Miranda, deus boas-vindas aos integrantes da comissão reconduzidos e aos sete novos conselheiros.

“Hoje é um dia histórico de volta da Comissão de Anistia. Ela foi desrespeitada por pessoas contra a anistia e a favor da ditadura. O oposto do que deveria ser. Tentaram destruir, descredibilizar essa comissão”, criticou.

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, enfatizou que a ditadura militar interrompeu um processo de redução nas desigualdades brasileiras até os dias atuais. “Quantos brasileiros e brasileiros poderiam ter sido salvos da ignorância, de doenças e do abandono se não fossem as políticas excludentes da ditadura brasileira?”, questionou.

Brasília (DF), 30.03.2023- Comissão de Anistia realizará a primeira sessão do colegiado após anos de descaracterização do uso da Comissão de Estado que luta pela reparação histórica de perseguidos pela Ditadura Militar.


O ministro faz uma relação entre fatos como a escravidão e a repressão e os males da sociedade brasileira contemporânea; “As desigualdades, as violências de estado, o machismo o racismo, a homotransfobia, o número inaceitável de jovens pobres e negros assassinados hoje no Brasil são, repito, indissociáveis das formas pelas quais foi construída e de como contamos essa história”, associou.

Nesta quinta-feira, véspera do aniversário do golpe militar de 1964, Silvio Almeida também comemorou a restituição de outro grupo: a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que será restabelecida por meio de decreto presidencial a ser publicado nos próximos dias.

O ministro ainda garantiu que a retomada dos trabalhos da nova Comissão de Anistia não representará um revanchismo.

“Uma nova fase desse país de restauração da memória, da verdade e da justiça tem, no dia de hoje, um marco nesta primeira sessão plenária emblemática. Alguns veem nessas iniciativas revanchismos ou mesmo tentativas de dividir a nação brasileira. Eu diria que é justamente o contrário! Nenhuma nação ser ergueu ou se manteve coesa sem olhar para suas fraturas e repará-las.”

Em seu retorno à comissão, a conselheira Ana Maria Lima de Oliveira, com 15 anos de experiência no colegiado, disse que “se o Brasil tivesse contado sua verdadeira história de violações e ruptura democrática e passado a limpo seu passado ditatorial, este momento não teria o peso deste significado”. Ana Maria citou a fragilidade da democracia brasileira. “Nossa cultura política é autoritária e antidemocrática. E nossa democracia é jovem. Não está consolidada. Precisa de cuidados e de vigilância”.

O caminho, para a conselheira mais antiga da comissão, passa pela educação sobre direitos humanos desde as salas do ensino médio até as escolas de formação de segurança pública para a não repetição de crimes. Ela também citou a retomada das caravanas da Anistia, construção de espaços de memória e museus dos crimes cometidos, contação da verdade e reparação da memória moral, social, psíquica dos perseguidos, bem como a atuação da Justiça, com punição aos violadores dos direitos humanos, dos torturadores e dos assassinos.

O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), André Carneiro Leão, entende que o Brasil precisa concluir a Justiça de transição, pela memória e pela verdade, com a apuração e responsabilização de agentes e instituições que violaram os diretos humanos no período ditatorial.

“Não podemos aceitar o processo de amnésia coletiva e um processo de esquecimento que permite que cheguemos ao que observamos no dia 8 de janeiro de 2023”, disse, em referência à vandalização às sedes dos Três Poderes, em Brasília. “A carne vai tremer, o sangue vai ferver, porque são processos doloridos, de sofrimento, mas que precisam vir à tona para se possa concluir este processo de Justiça de transição.”

A presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, deputada Luizianne Lins (PT-CE), afirmou que a ditadura não será esquecida. “Voltaremos a descortinar o tenebroso passado para não repetir erros no futuro.”

Revisão de pedidos negados


No início dos trabalhos, a presidenta da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, considerou que a primeira sessão representa “um renascimento”. “Resistimos e sobrevivemos”. A comissão planeja revisar mais de 4 mil pedidos negados nos últimos anos e reparar a revitimização de perseguidos políticos, no período ditatorial (1964 a 1985). Nesta primeira reunião, os conselheiros analisaram provas de perseguição política na revisão de quatro processos de anistia e reparação de danos. Os requerentes que se declararam perseguidos pela ditadura militar são Romário Cezar Schettino, Claudia de Arruda Campos, José Pedro da Silva e Ivan Valente.

No primeiro processo analisado, a conselheira Rita Maria Rita Maria Miranda Sipahi relatou o caso de Romário Cezar Schettino, que alega ter sido afastado das funções de bancário e estudante universitário. Em 1973, foi sequestrado e preso, depois exilado de 1974 a 1976. Como resultado, os atuais conselheiros da Comissão de Anistia julgaram procedente o pedido de Romário, e a Comissão de Anistia estabeleceu a remuneração mensal permanente continuada no valor de R$ 2.718, 73, com efeitos financeiros retroativos no valor de R$ 828 mil. A presidenta da Comissão de Anistia ainda pediu desculpas a ele, em nome do Estado brasileiro.

O segundo processo analisado foi da professora Claudia de Arruda Campos e foi relatado pela conselheira Ana Maria Lima de Oliveira. Na decisão anterior, houve negativa de reparação de danos à professora, que, em 1968, como estudante universitária, viveu na clandestinidade para não sofrer mais perseguições, o que teria atrasado a vida acadêmica e profissional até o período de redemocratização no Brasil, quando a solicitante retomou as atividades sindicais. A professora Claudia de Arruda Campos, presente à reunião, foi reconhecida como anistiada política brasileira pelos conselheiros.

Agência Brasil