O psicanalista, escritor e dramaturgo Contardo Calligaris morreu nesta terça-feira (30), aos 72 anos, em São Paulo. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul de São Paulo, e fazia tratamento contra um câncer.
Em um post em rede social, o diretor de cinema Maximilien Calligaris, único filho do autor, escreveu: “‘Espero estar à altura.’ Diante da proximidade da morte, essa foi a frase do meu pai. Ele se foi agora” (veja abaixo).
Considerado um dos principais psicanalistas em atividade no país e colunista da “Folha de S.Paulo” desde 1999, Contardo publicou em 17 de fevereiro seu último texto no jornal, no qual abordou o fim do governo Donald Trump nos Estados Unidos.
Nascido em Milão, na Itália, em 2 de junho de 1948, Contardo Luigi Calligaris teve o primeiro contato com o Brasil em 1986, quando veio dar palestras sobre seu primeiro livro de psicanálise, “Hipótese sobre o fantasma”.
Aqui se casou e, por um período, se dividiu entre os dois países, antes de se mudar de vez para o Brasil. Ao longo da carreira, também viveu e clinicou em Nova York, deu aulas em universidades nos Estados unidos e na França e lançou livros sobre psicanálise, além de volumes de ficção.
Sua obra ficou marcada por uma constante reflexão sobre a existência humana, passando por temas como a felicidade, as relações, o sexo e a sexualidade, as angústias contemporâneas, o sentido da vida e a arte.
Em entrevista concedida à TV Brasil em janeiro de 2020, falou sobre a valorização do cotidiano:
“O sentido da vida é a própria vida. Isso pode parecer uma total trivialidade – mas, para a maioria das pessoas, é um escândalo. Mas pouquíssimas pessoas conseguem viver pensando que o sentido da vida está na vida e, vou dizer mais, é a própria vida”.
Perfil de Contardo Calligaris
A primeira formação de Contardo, em epistemologia genética, foi concluída na Suíça, em uma faculdade em que Jean Piaget (1896-1980) palestrava. Também fez graduação em letras, o que lhe permitiu ensinar teoria da literatura.
Mais tarde, em Paris, dedicou-se ao doutorado em semiologia, sob orientação do escritor Roland Barthes (1915-1980), um dos maiores linguistas de todos os tempos. Foi nessa época que Contardo começou a fazer análise e passou a se interessar por psicanálise – estudou na Universidade de Provence.
Na França, também teve aulas com o filósofo Michel Foucault (1926-1984) e com o psicanalista Jacques Lacan (1901-1981), sua principal inspiração para se dedicar à psicanálise.
Doutor em psicologia clínica, Contardo foi professor convidado da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em uma instituição de Nova York, tendo lecionado ainda na Universidade de Paris. Viveu na capital da França por 15 anos, antes de vir ao Brasil.
Autor de livros, peça de teatro e série de TV
Entre os principais livros de Contardo Calligaris, estão os bem-sucedidos “Hello, Brasil! E outros ensaios – Psicanálise da estranha civilização” (Publifolha), escrito na década de 1990 e reeditado em 2017, e “Cartas a um jovem terapeuta: Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos” (Planeta), reeditado em 2019.
Também publicou as coletâneas de colunas “Terra de ninguém” (Publifolha), de 2004; “Quinta-coluna” (Publifolha), de 2008; e “Todos os reis estão nus” (Três Estrelas), de 2013.
Como escritor, lançou dois volumes de ficção: “O conto do amor”, em 2008, e “A mulher de vermelho e branco”, de 2011, ambos publicados pela Companhia das Letras.
Contardo foi ainda autor da peça de teatro “O homem da tarja preta”, encenada em 2009, e criador e roteirista da série “Psi”, exibida pela HBO a partir de 2014.
‘Não existem pequenos problemas’
Contardo Calligaris dizia que não existem pequenos problemas – qualquer coisa poderia se tornar um conflito diário com o qual a pessoa não consegue viver. Para ele, ninguém deveria de ter medo de dizer isso ao terapeuta.
O psicanalista falava também que o dinheiro não pode ser impedimento para alguém se tratar. Nesse sentido, citava São Paulo como exemplo de lugar onde existem serviços gratuitos, muitas vezes oferecidos por universidades aos menos favorecidos.
Nas suas últimas colunas na “Folha de S.Paulo” em em entrevistas, falou sobre a pandemia de Covid-19 e criticou aqueles que negam ou minimizam a gravidade da doença – destacou que ela atingia a todos.
“Eu acho que uma maneira de viver isso de uma maneira coletiva é justamente pensar nessa diversidade, como sendo exatamente o que perdemos. Teria sido muito bom se houvesse uma espécie de consciência coletiva do que está acontecendo conosco e com o mundo”, afirmou.
G1