Para parlamentares, presidente tem se demonstrado incapaz de governar, o que leva a um debate sobre impeachment em apenas cinco meses de gestão.
Líderes dos partidos que comandam hoje o Congresso Nacional definiram um pacote de medidas para limitar o raio de ação do presidente da República e tocar por conta própria temas considerados cruciais pelo empresariado e pelo mercado, como as reformas da Previdência e tributária.
A avaliação uníssona colhida pela reportagem com congressistas é a de que Jair Bolsonaro (PSL) tem demonstrado incapacidade de governar, o que levou ao surgimento de um debate sobre impeachment com apenas cinco meses de gestão e a reativação das discussões sobre a mudança do sistema de governo do presidencialismo para algo próximo ao parlamentarismo.
Além de colocar um carimbo próprio no projeto de reforma da Previdência elaborado pelo governo, a Câmara deu a largada na discussão sobre mudanças tributárias ao aprovar na última semana, na Comissão de Constituição e Justiça, texto assinado pelo líder do MDB, Baleia Rossi (SP).
A insatisfação dos congressistas encontra lastro e incentivo no mundo empresarial e financeiro. Isso tem estimulado deputados e senadores a assumirem a linha de frente de ações que, em cenários de pacificação política, seriam capitaneadas pelo Planalto.
É corrente o entendimento entre políticos e integrantes da iniciativa privada que não basta a aprovação da reforma da Previdência para que haja a retomada do crescimento da economia, como faz crer o discurso de Guedes.
Segundo essas análises, não há no governo nenhuma proposta concreta sobre o que fazer para além das mudanças previdenciárias.
“Temos que ter o mínimo de estabilidade no país. Para fazer isso, vai ser necessário ignorar o governo, não tem outra saída”, afirma o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA). Seu partido está com as presidências das duas Casas -nas mãos do deputado Rodrigo Maia (RJ) e do senador Davi Alcolumbre (AP).
Os dois têm agido em sintonia fina, coordenando o agrupamento de legendas conhecido como centrão, que reúne cerca de 200 parlamentares e que foi eleito o principal alvo de ataque da ala mais ideologizada do governo Bolsonaro.
“Minha opinião é que a gente monte um programa aqui, com trabalhadores, empresários, sociedade civil, e a Câmara vote o que interessa. Aí esquece o governo, faz de conta que o Bolsonaro não existe”, afirma o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), um dos porta-vozes do centrão.
A desconfiança do Legislativo começou ainda na transição, quando o presidente montou um ministério sem recorrer ao modelo de negociação com os partidos.
Já empossado, Bolsonaro apostou no discurso de mudança na relação com o Congresso, mas adotou uma postura errática. Ora seu governo fez movimentos sem negociar cargos e verbas com congressistas, ora recorreu a esses mecanismos.
O vaivém, aliado ao discurso presidencial de que a atividade política é essencialmente corrupta e responsável pelos problemas do país, jogou mais lenha na fogueira.
Nos últimos dias, acontecimentos acirraram os ânimos: vultosos protestos contra os cortes na educação, o compartilhamento por Bolsonaro de mensagem segundo a qual o país é ingovernável sem os conchavos, os atos deste domingo (26), que tiveram como bandeiras ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, e o desenrolar de investigações do Ministério Público que podem atingir o clã Bolsonaro.
O “parlamentarismo branco” já em funcionamento no Congresso tem outros três pontos prioritários.
O primeiro é a emenda à Constituição que amplia o volume de recursos federais cujo destino é definido pelos parlamentares, o que retira poder do Executivo sobre o Orçamento. A PEC já foi aprovada pela Câmara e pelo Senado, mas, como houve alterações nessa última Casa, voltou para análise dos deputados.
O segundo é a apresentação e votação de um projeto que limita o número de medidas provisórias que podem ser editadas pelo presidente. Com força de lei, as MPs são o principal instrumento que o Executivo tem para legislar.
O terceiro é recorrer, sempre que necessário, a decretos legislativos para sustar decretos presidenciais.
Foi o que aconteceu em fevereiro com a canetada que ampliava o número de servidores autorizados a classificar como sigilosos documentos públicos. A Câmara sustou a medida, e Bolsonaro acabou por revogá-la.
O decreto presidencial que afrouxou as regras para porte de arma é o novo alvo do Legislativo, caso não seja derrubado antes pelo Judiciário. De acordo com o portal do Palácio do Planalto, Bolsonaro assinou mais de 150 decretos.
A insatisfação de pesos-pesados do Legislativo e de outros Poderes com o desempenho de Bolsonaro reacendeu, inclusive, a discussão sobre um novo sistema de governo.
Já há, prontas, duas propostas de “semipresidencialismo”, ou “semiparlamentarismo”, para valer a partir de 2022.
Uma é capitaneada pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE) e a outra pelo senador José Serra (PSDB-SP). Ambas têm o apoio de integrantes do STF, entre eles Gilmar Mendes. Em 2017, Gilmar e o então presidente Michel Temer (MDB) já tratavam do assunto.
Os projetos não devem ser apresentados neste momento, mas estão sendo discutidos pelos partidos em busca de um consenso mínimo.
Em linhas gerais, o Congresso seria responsável pela gestão do país e escolheria um primeiro-ministro. O presidente, eleito por voto popular, seria mantido como chefe de Estado, com poderes reduzidos.
A discussão tem o apoio de Maia e Alcolumbre, mas os dois dizem que não é o momento de formalizar a proposta. Há o receio de que o movimento dê força ao discurso de que o Congresso age para derrubar o presidente.
Senadores que apoiam a proposta de Serra, por exemplo, sugeriram que o tucano esperasse baixar a temperatura política para apresentar a proposta. Na Câmara, o esboço do texto de Domingos Neto foi apresentado a líderes partidários no fim de março. Ali já havia certo consenso de que o modelo presidencialista se esgotou e não atende mais às demandas do país.
Embora também tenham concordado que o açodamento sobre a discussão pode enterrar a proposta, uma ala defende a criação de comissões o quanto antes para começar o debate sobre a mudança.
Fonte: Mais Goiás