A pandemia do novo coronavírus (covid-19) interrompeu treinos e competições pelo mundo. Estar longe dessa rotina, ainda mais em um ano que seria olímpico e que começou com medalhas internacionais, não é fácil para quem vive do esporte. Mas, para Lauro Chaman, a saudade de encarar as pistas e estradas só não é maior que a das visitas frequentes a dona Elvira, de 89 anos, avó do medalhista paralímpico do ciclismo.
“Ela é minha vida, é a minha inspiração. Além de ser minha madrinha, cuidou de mim quando minha mãe tinha que trabalhar. Morávamos em uma casa simples. Ela e meu avô sempre fizeram o máximo por mim. Tudo que faço hoje, com certeza, é por toda minha família, mas, em especial, pela minha avó e meu filho, que se chama Antônio, mesmo nome do meu avô, que faleceu quando eu tinha 16 anos”, conta Lauro à Agência Brasil. “No começo [da pandemia], era muita incerteza, então, a gente meio que se isolou. Dias atrás, pude ver minha avó com todos os cuidados, mas fiquei um bom tempo sem conseguir. Antes, as visitas eram diárias. Foi complicado. A gente pensa mais na família. O esporte ficava um pouco em segundo plano”, admite.
Enquanto tenta retomar a rotina familiar, Lauro também volta gradualmente a treinar em Araraquara, cidade do interior paulista em que vive. As atividades externas reiniciaram há cerca de duas semanas, após a flexibilização da quarentena decretada pelo governo estadual, que é revista a cada 14 dias. Ele é acompanhado remotamente pelo técnico Cláudio Diegues, que fica em Santos, no litoral de São Paulo, onde fica a base da equipe de Chaman, a Memorial.
“[Antes da pandemia] Ele tinha algumas lesãozinhas de tanto tempo em treinamento, em esforço, sem muito tempo [para cuidar delas] devido ao calendário. Então, a primeira coisa [após a paralisação] foi destreiná-lo e cuidar dessas lesões. Agora, ele alterna dia sim, dia não, saindo sozinho, com máscara. O trabalho de base é interno, ele tem rolo de treinamento e faz a parte de reforço muscular de casa”, conta o técnico à Agência Brasil. “Ele tem um personal da parte física [em Araraquara] e a gente faz contatos quinzenais [reuniões virtuais] entre a equipe. À medida que as provas são confirmadas, vamos estruturando o calendário de treinamento”, completa.
Lauro Chaman faturou o ouro, no ano passado, no Pan de LIma, ao vencer a prova de ciclismo de pista contrarelógio classe C5– Saulo Cruz/EXEMPLUS/CPB/Direitos Reservados
Segundo o calendário da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), há dois torneios de paraciclismo previstos no segundo semestre: o campeonato nacional de estrada, entre 27 e 30 de agosto, em Leme (SP), e o Circuito Pan-Americano de pista e estrada, de 23 a 27 de setembro, em Maringá (PR). A realização, conforme a CBC, depende de “orientações das autoridades de saúde”.
Além de torneios no ciclismo adaptado, Lauro pretende competir no Brasileiro convencional da modalidade, por enquanto, agendado para outubro. “Espero estar em uma boa forma, competitiva. Acredito que não estarei no auge em agosto, mas, espero que, ao longo dos eventos, fique mais próximo do 100% e comece 2021 com o pé direito e força máxima”, projeta o atleta da classe C5 (ciclistas de menor comprometimento físico-motor). Chaman nasceu com a perna esquerda mais fina que a direita, e virada para fora. No decorrer dos anos, desenvolveu uma atrofia na panturrilha.
O atleta vinha de bons resultados em 2020, antes da paralisação em decorrência da pandemia. Conquistou três medalhas no Mundial de Paraciclismo, em Milton (Canadá), em fevereiro: duas pratas e um bronze. A briga por pódios na retomada das competições, porém, não é a prioridade do planejamento. “A gente está voltando com as atividades dele, com um início com carga baixa, volume de treino baixo, para ele recuperar o domínio de todas as áreas físicas e fisiológicas, aumentando um pouquinho o trabalho de força. O Lauro pode disputar qualquer evento porque, no ciclismo, o processo de treino envolve competição, mas, não vamos nos atentar ao resultado. A gente só terá a competição como parâmetro da evolução do treino”, explica Diegues.
O foco da preparação gradualmente retomada por Lauro mira a Paralimpíada de Tóquio, em 2021. Na Rio 2016, dois meses após o nascimento do filho, ele foi medalhista de prata na disputa de estrada e de bronze na prova de contrarrelógio [cada atleta pedala sozinho e ganha o que concluir o percurso em menos tempo]. Os feitos foram inéditos para o ciclismo brasileiro, adaptado ou convencional, em Jogos. De lá para cá, o paulista foi campeão mundial de estrada em 2017, na África do Sul, e de scratch [todos largam em grupo, e quem conclui a disputa primeiro é o vencedor] em 2018, no Rio de Janeiro (RJ). E no ano passado ainda faturou dois ouros nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru).
“Penso que tenho que voltar a treinar, voltar ao melhor. Vou me cobrar para ser melhor do que antes, ser mais regrado. Acredito que meus adversários também. É complicado falar sobre [expectativa de] pódio, medalha… Vou procurar fazer bem meu trabalho com a Seleção e a minha equipe para alcançar o melhor possível”, conclui Chaman.
Agência Brasil