Pela 13ª vez, Cláudio Junior Rodrigues de Oliveira, de 24 anos, sentou no banco dos réus e foi absolvido pela Justiça. O jovem respondia a uma acusação de roubo qualificado, julgada no dia 20 de maio, quinta-feira passada, na 3ª Vara Criminal, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Em comum com as outras vezes em que esteve na mesma situação, está a forma como Cláudio foi incriminado: álbuns de fotos de suspeitos em delegacias e o reconhecimento com base nessas imagens.

Das 14 vezes em que esteve de frente para um juiz, só uma vez o jovem foi condenado. Mesmo assim, segundo ele, quando ouviu da boca do magistrado que era culpado, Cláudio disse que a vítima afirmou que não o reconhecia como o autor do roubo.

Cláudio cumpriu a sentença de cinco anos e quatro meses em regime semiaberto. Preso em 2016, saiu da cadeia em 2018. Em 2021, ele foi preso de novo, por dois meses.

Cláudio faz selfies para criar álibis  — Foto: Arquivo Pessoal
Cláudio faz selfies para criar álibis — Foto: Arquivo Pessoal

Desde que saiu da cadeia, o jovem relatou ao G1 que tem tirado “selfies” várias vezes por dia – uma tentativa de criar álibis para que ele não vá, de novo, parar atrás das grades.

“Fico receoso de acontecer de novo. Se acontece um assalto em um dia comum, o que eu faço para comprovar que não era eu? Não tem como eu me filmar 24 horas por dia”, disse, apreensivo.

Agora, Cláudio promete brigar para que suas fotos saiam dos álbuns das delegacias.

“Essa é a próxima luta. Por enquanto vivo com medo de ter a vida interrompida novamente, mas é ter fé e acreditar em Deus”, acrescentou.

A advogada de defesa de Cláudio estuda se cabe uma revisão criminal da sentença imposta a ele. Se for considerada procedente, a revisão pode anular a condenação do jovem.

O caso também é acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ). Hoje solto, o jovem disse que trabalha desde os 14 anos, e que sonha com cursar uma faculdade:

Cláudio (de camisa preta) deixa audiência após absolvição do crime de roubo; ele foi acusado após reconhecimento fotográfico — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Cláudio (de camisa preta) deixa audiência após absolvição do crime de roubo; ele foi acusado após reconhecimento fotográfico — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

“[Estudar] Direito. Se Deus permitir, quero ajudar as pessoas que não têm condições e sofrem as mesmas injustiças que eu”, contou.

Acusações por roubo

Apenas uma testemunha foi ouvida na audiência de quinta-feira passada. O Ministério Público desistiu de ouvir os outros relatos e pediu a absolvição de Cláudio. O juiz Rafael Rezende acolheu o voto.

Exclusivo: 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são negros

Cláudio foi absolvido de acusações de roubo majorado em inquéritos da 72ª DP (São Gonçalo), da 73ª DP (Neves) e da 81ª DP (Itaipu). Veja abaixo a lista de investigações em que Cláudio foi supostamente reconhecido:

  • Março de 2016: quatro inquéritos na 72ª DP (São Gonçalo).
  • Abril de 2016: um inquérito na 72ª DP (São Gonçalo).
  • Maio de 2016: três inquéritos da 72ª DP (São Gonçalo).
  • Junho de 2016: um inquérito na 72ª DP (São Gonçalo).
  • Julho de 2016: um inquérito da 81ª DP (Itaipu), em Niterói.
  • Agosto de 2016: um inquérito da 81ª DP (Itaipu), em Niterói.
  • setembro de 2016: um inquérito da 81ª DP (Itaipu), em Niterói.
  • agosto de 2020: um inquérito na 73ª DP (Neves).
  • novembro de 2020: um inquérito na 73ª DP (Neves).

A condenação do jovem, em 2017, resultou de um inquérito na 81ª DP. A pena foi fixada em 5 anos e 4 meses em regime semiaberto. Depois, a condenação foi confirmada em 2018, mesmo ano em que Cláudio deixou a prisão.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Nas várias audiências de que participou, o motoboy disse que houve episódios em que as vítimas diziam que a foto dele não tinha sequer sido mostrada na delegacia.

“No Fórum, já teve pessoas que disseram que em momento algum viram minha foto. Na penúltima audiência, a vítima era uma policial militar, e ela disse que na delegacia falou que a minha foto parecia, mas que não tinha certeza. Em juízo, disse que não tem nada a ver comigo”, afirmou Cláudio.

O que diz a polícia

Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) disse ter recomendado que os delegados não usem apenas o reconhecimento fotográfico como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos.

A secretaria alega que o reconhecimento por foto, que é aceito pela Justiça, “é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser ratificado por outras provas técnicas na busca pela verdade”.

G1