Nirvana em ensaio de fotos de Nevermind — Foto: Kirk Weddle/Modern Rocks Gallery
Nirvana em ensaio de fotos de Nevermind — Foto: Kirk Weddle/Modern Rocks Gallery

O que “Nevermind” tinha – e ainda tem – de especial? No dia em que o segundo álbum do Nirvana completa 30 anos, o g1 faz uma análise de seu legado, relembra a criação do disco e detalha a história do hino grunge “Smells like teen spirit”.

“Crescemos com Biggie e Nirvana”, canta Halsey na música que a projetou, “New americana” (2015). A cantora pop nascida nos anos 90 não está sozinha. Das camisas de Travis Scott à tatuagem de Kid Cudi, Kurt Cobain figura como referência de arte inconformista para jovens que dispensam guitarras.

“Nevermind” ainda guia artistas que, assim como Kurt, amam música pop e odeiam suas regras. Longe de imitadores, o legado foi parar no sample de “In bloom” em “Panini”, de Lil Nas X, e na referência nominal em “Cobain”, do falecido Lil Peep.

Acima até dos “Lil”s do rap, há mulheres de estilos diversos. Não foi por acaso que os ex-músicos do Nirvana colocaram St. Vincent, Lorde e Joan Jett para cantar no lugar de Kurt Cobain no Hall da Fama do Rock. O cantor desprezava a misoginia e dizia que o futuro do rock era feminino.

Pat Smear, Joan Jett, Lorde, Dave Grohl, St. Vincent, Kim Gordon e Krist Novoselic se apresentam durante a indução do Nirvana ao Rock and Roll Hall of Fame, na noite de 10 de abril — Foto: Larry Busacca/Getty Images/AFP
Pat Smear, Joan Jett, Lorde, Dave Grohl, St. Vincent, Kim Gordon e Krist Novoselic se apresentam durante a indução do Nirvana ao Rock and Roll Hall of Fame, na noite de 10 de abril — Foto: Larry Busacca/Getty Images/AFP

É uma mulher que o baterista Dave Grohl aponta como principal herdeira do espírito de Kurt Cobain hoje: Billie Eilish. A cantora faz uma nova tradução musical da inadequação adolescente que ele vê na geração de sua filha, Violet.

“Acho que é por isso que a Billie Eilish [cantora que Dave conheceu através de Violet e já elogiou várias vezes] se tornou tão popular. Porque há milhões de jovens que se sentem do mesmo jeito que ela. Eu vejo o futuro da música na minha filha e nas amigas dela”, disse Dave ao g1.

“Minhas filhas estão obcecadas com Billie Eilish. Sua conexão com o público é a mesma que o Nirvana tinha em 1991”, contou o baterista à agência AFP.

De Billie Eilish a Lil Nas X, de Travis Scott a St. Vincent, a marca do Nirvana está em artistas meio desajustados que querem provar seu talento, não ir atrás só de dinheiro.

(Ou seja, figuras bem diferentes dos oportunistas que estão aí há trinta anos, de aberrações do “post-grunge” como o Creed ao bebê que nadou atrás de US$ 1 na capa do disco e hoje nada atrás de milhões em um processo picareta contra suposta ‘exploração sexual’).

Mas o que ‘Nevermind’ tinha de especial para servir de referência, 30 anos depois, a esses jovens talentosos, que renovam a indústria musical ao se opor a ela?

O álbum nunca foi só música. E ainda hoje é muito mais do que isso. Lançado em 24 de setembro de 1991, o segundo disco do Nirvana representava a invasão do cenário pop pelo rock alternativo.

O perdedor angustiado e sensível substituiu o rockstar cheio de marra. A voz contraditória de Kurt Cobain revelava um cara que, ao mesmo tempo, desejava o sucesso e desprezava a fama.

O hino

Nem os autores apostavam na música de versos incompreensíveis – mesmo assim, ela mudou a carreira do Nirvana e os rumos do rock.

Toda canção tem um propósito. O Nirvana começou a levar “Smells Like Teen Spirit” ao mundo em um show no pequeno OK Hotel, em Seattle, em 17 de abril de 1991, com um objetivo: juntar dinheiro para pagar a gasolina da viagem que fariam até Los Angeles, para gravar “Nevermind”.

A música foi bem recebida pelo público, mas a completa falta de expectativa da própria banda de que a faixa pudesse se transformar em um grande sucesso só começou a mudar em maio de 1991.

Foi no estúdio Sound City, em Los Angeles, California, que a banda notou o entusiasmo do produtor Butch Vig com “Smells Like Teen Spirit”. “Pensei que ‘In Bloom’ ou ‘Lithium’ seriam os hits. ‘Smells’ era só outro pedaço do disco. Gravamos rápido, mas acho que era uma das favoritas do Butch Vig e então ficou claro que seria uma música especial…”, lembrou Dave Grohl à revista “Mojo”.

Ao contrário da maioria das composições do Nirvana, ela é creditada não só ao vocalista e guitarrista Kurt Cobain, mas também ao baterista Dave Grohl e o baixista Krist Novoselic. Kurt chegou ao estúdio com o riff e o refrão para que eles experimentassem a dinâmica de maneira livre.

De cara, Novoselic achou a ideia “ridícula”, mas sugeriu que eles tocassem mais devagar, e a partir daí eles foram inserindo mais elementos até o acabamento final junto com Butch Vig. Sobrepor vocais na gravação foi uma ideia que Kurt rejeitou no início, mas Vig conseguiu convencê-lo com um argumento simples: “John Lennon também fazia isso”.

Capa do disco 'Nevermind', do Nirvana — Foto: Divulgação
Capa do disco ‘Nevermind’, do Nirvana — Foto: Divulgação

“Não podemos tocar isso. Não entendo nada que o cara canta”. A reação inicial de alguns radialistas, como descrita na biografia “Mais Pesado Que O Céu”, de Charles Cross, foi logo vencida pelo poder hipnotizante do riff simples – quase idêntico ao de “More Than A Feeling”, do Boston, e várias outras músicas, como o próprio Kurt Cobain admitia – repetido à exaustão.

Mais do que a melodia, foi na dinâmica que Kurt Cobain, Dave Grohl e Kirst Novoselic foram capazes de carregar toda a revolução alternativa que acontecia desde os anos 80 e atirar na direção do mainstream.

“Eu estava basicamente tentando copiar os Pixies” é a declaração clássica de Kurt sobre a música, junto a tantos outros elogios que fez aos pioneiros do indie rock americano dos anos 80.

Outra história tão repetida quanto o riff da música é a referência à marca de desodorante Teen Spirit no título, que Kurt dizia ser involuntária – segundo ele, a amiga Kathleen Hanna, então na banda Bikini Kill, escreveu “Kurt Smells Like Teen Spirit” na parede de sua casa e ele pensou que fosse uma frase mais filosófica, não uma referência à marca.

A transformação de “Teen Spirit” em um fenômeno cultural que catapultou Nevermind ao topo do Hot 100 da Billboard e todo o rock alternativo ao circuito comercial contaram com um elemento visual que ajudou a dar significado às palavras desconexas de Kurt: o clipe em um ginásio de escola.

Após 8 horas de gravação, cansativas para a banda e para os adolescente que figuravam como estudantes na plateia, a ideia para as cenas mais marcantes do vídeo veio do próprio Kurt Cobain: sair do lugar e destruir o cenário.

 — Foto: G1
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