Está em discussão no Congresso Nacional, desde 2019, uma proposta enviada pelo Banco Central que prevê mudanças na lei cambial.
A proposta já foi aprovada pela Câmara dos Deputados, em dezembro de 2020, e ainda precisa ser aprovada pelo Senado para ser enviada para sanção do governo. Líderes partidários no Senado, tentam pautar o assunto, mas não há previsão de votação.
Entre outros pontos, o projeto permite compra e venda de moeda estrangeira por pessoas físicas, no limite de US$ 500 (veja detalhes mais abaixo).
Segundo o Banco Central, as mudanças propostas fazem parte da Agenda BC#, voltada para o desenvolvimento do mercado financeiro, assim como o PIX, sistema de transferências em tempo real, e o “open banking”, que visa ampliar competição no mercado de produtos bancários.
Livre movimentação de capitais
De acordo com o BC, a proposta em estudo pelos senadores se baseia na livre movimentação de capitais e na realização das operações no mercado de câmbio de forma mais simples e com menos burocracia.
A instituição argumenta que a atual legislação cambial começou a ser estruturada em 1920, em um contexto de escassez de moeda estrangeira, e que não é mais consistente com uma economia globalizada.
Segundo o Banco Central, a nova legislação representa “passo importante na direção de aumentar a conversibilidade internacional da moeda nacional, ao simplificar tanto seu uso no exterior, quanto seu uso pelos agentes internacionais no Brasil”.
O BC diz ainda que a nova lei, se aprovada pelo Congresso, proporcionará maior segurança jurídica, consolidando em um texto 400 artigos dispersos e revogando vários dispositivos antigos, considerados obsoletos.
Algumas alterações propostas
Saiba abaixo algumas das alterações propostas:
- Compra e venda de moeda estrangeira entre pessoas físicas (prática atualmente vedada) passa a ser permitida, com limite de até US$ 500. Objetivo é possibilitar a venda de sobras de moedas estrangeiras após o fim de uma viagem internacional, por exemplo. Transações realizadas por profissionais de forma recorrente, ou seja, pelos chamados “doleiros”, continuam proibidas.
- Necessidade de declarar moeda em espécie em viagens internacionais, na entrada e saída do país, sobe de acima de R$ 10 mil para o equivalente a mais que US$ 10 mil (atualmente vale para mais de R$ 50 mil). O argumento é que o limite anterior, de R$ 10 mil, instituído em 1995, está defasado. O novo limite, referenciado em dólares, estaria em linha com o que acontece no resto do mundo.
- Cria condições para novos modelos de negócios relacionados com inovações nas transferências de recursos ao exterior, nos pagamentos fora do e investimentos no exterior, e de estrangeiros no Brasil, que podem ser executadas também por Fintechs (pequenas empresas de tecnologia do setor financeiro). Objetivo é abrir o horizonte para o uso da tecnologia nesse mercado e baratear essas operações. O Conselho Monetário Nacional e o BC disciplinariam os novos modelos de negócios.
- Autoriza que projetos de infraestrutura, geralmente de prazo mais longo, sejam referenciados em moeda estrangeira quando houver um investidor internacional envolvido. Objetivo é facilitar o entendimento, o aporte de recursos e o retorno ao investidor de outro país. Além disso, o CMN vai poder prever novas situações para contratos tendo como referência a moeda estrangeira.
- Autoriza transferências em reais para fora do Brasil. Atualmente, as pessoas físicas ou empresas têm de fechar um contrato de câmbio, em outra moeda, para enviar os recursos ao exterior. Com das mudanças, poderão ser enviados reais e, estes, serem trocados no exterior. O objetivo do Banco Central é estimular o uso internacional do real.
- Autoriza o pagamento de contas (obrigações) em moeda estrangeira no Brasil em algumas situações, como nos contratos de comércio exterior; quando uma parte envolvida for de outro país; ou em em contratos de “leasing”, entre outros.
Contas em dólar no Brasil
O ponto mais polêmico da proposta é o que transfere, do Conselho Monetário Nacional para o Banco Central, a competência para autorizar novos setores da economia terem conta em moeda estrangeira no país.
Atualmente, as contas em dólares estão disponíveis somente para segmentos específicos, como agentes autorizados a operar em câmbio, emissores de cartões de crédito de uso internacional, sociedades seguradoras e prestadores de serviços turísticos.
Para Paulo Nogueira Batista, ex-diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil, a flexibilização da abertura de contas em dólar no Brasil seria “fria monumental”.
“Você tem hoje uma situação em que muitos brasileiros estão com sérias dúvidas sobre a situação do país. As pessoas estão querendo caminhos para escapar, além dos que já existem, para portos mais seguros do que o Brasil. É o interesse financeiro falando, e não o de um país emergente, com vulnerabilidades potenciais”, afirmou ele, em março.
Questionado pelo G1, o BC não quis comentar as mudanças propostas na lei cambial.
No ano passado, quando o projeto foi divulgado, o diretor de Regulação da instituição, Otavio Damaso, lembrou que alguns segmentos, como petróleo, embaixadas de representação de outros países, já podem ter contas em dólar no Brasil e acrescentou que o projeto autoriza essa ampliação para outros segmentos “dentro de um processo de médio e longo prazos, natural dentro da conversibilidade do real, um dos objetivos do projeto”.
“Propõe algum tipo de avanço, mas não é uma prioridade. Mais para a frente, se for o caso, em algumas situações. No futuro, em algum momento, sob certas circunstâncias, pode ser permitido [para outros setores]”, declarou ele, naquele momento.
G1