O veto do ex-prefeito Iris Rezende (MDB) ao projeto de lei sobre a política do uso da cannabis para fins medicinais e distribuição gratuita de medicamentos prescritos reacende o debate sobre o uso medicinal da maconha em Goiânia. Nesta segunda, 22, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal rejeitou o veto. A matéria segue para plenário.

O projeto prevê o estabelecimento de uma política e progama no município de Goiânia para adequação dos órgãos de saúde do município aos padrões e referências internacionais, adotados no Canadá, nos Estados Unidos e Israel. A matéria ainda estabelece a distribuição gratuita do medicamento, desde que aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou pela Justiça, através do Sistema Único de Saúde (SUS) e hospitais conveniados.

O veto do ex-prefeito alega inconstitucionalidade da matéria, por supostamente interferir na esfera federal, ao permitir o uso de uma planta vedada pela Legislação.

O vereador Lucas Kitão (PSL), autor do projeto, argumenta que não há nenhum tipo de interferência na Legislação neste sentido. Apenas requer que o município tenha responsabilidade pelo paciente que tem necessidade da maconha medicinal.

Kitão analisa que é possível reverter o veto no plenário e conta com o apoio dos colegas vereadores, como teve durante a tramitação no ano passado.

“Não estamos entrando em competência de outra esfera. Apenas queremos que Goiânia saia na frente de outros locais do país e se adeque aos avanços da ciência. Não há tentativa de legalizar o tratamento, apenas de oferecer àqueles que não tem acesso”, aponta Kitão.

Paciente

O presidente da Associação Curando Ivo, Filipe Suzin, avalia que o veto é totalmente desfavorável ao paciente, por não ouvir o que eles têm a falar sobre os benefícios que a planta dá em doenças crônicas, nem estar adequado aos avanços das pesquisas sobre maconha medicinal.

“Estamos em 2021, mas nos oferecem respostas voltadas para muitas décadas atrás. Acredito que o poder público tem que acompanhar o mínimo o progresso para a ciência. É uma decisão retrógrada. Tivemos uma linda construção de projeto de lei, com embasamento, mas o poder público não dá a oportunidade de mostrarmos os impactos e o potencial que a cannabis tem enquanto medicina”, avalia.

Filipe, que é ativista da causa e paciente de leucemia, aponta que a ciência já mostrou que os pacientes de doenças crônicas obtêm melhoria substancial na qualidade de vida. Além disso, reforça que sem o poder público agindo em prol do acesso, apenas pessoas com maior poder aquisitivo poderão importar o medicamento.

“É revoltante. Quase ninguém tem acesso à judicialização, com isso deixa a parte menos privilegiada da sociedade sem a possiblidade de tentar. É um projeto muito interessante, pois prevê o convênio entre o SUS e associações, para que haja a distribuição do medicamento a quem precisa”, continua.

Negacionismo

O advogado Yuri Ben-Hurd da Rocha Tejota, que fundou a Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (Agape), avalia que há, com a cannabis, um negacionismo seletivo. Ele aponta que os EUA, Israel e Canadá são países que já implementaram políticas públicas envolvendo cannabis, desde uso terapêutico até uso em indústria, suplementos alimentares, uso adulto.

“Então eu percebo que quando o ex-prefeito vetou o projeto, foi parte dessa política pública passada e que pouco tem contato com a necessidade dos brasileiros e associações que enxergam na cannabis uma alternativa terapêutica segura e eficaz. Tudo no Brasil é mais tardio, é mais místico, enquanto nos outros países a discussão avança, gerando impostos, saúde, acessibilidade, reparação, equidade social, emprego, ciência, informação, mercado”, avalia.

Yuri diz que busca junto a Kitão levar para a Câmara pacientes, médicos e demais profissionais, com dados, relatos e estudos para que o plenário reverta o veto do ex-prefeito.

Associações

No ano passado, a Anvisa regulamentou produtos à base de maconha no Brasil, com permissão de venda de produtos feitos com cannabis para uso medicinal com prescrição médica. No entanto, o cultivo da planta em território nacional continua rejeitado. O que empurra as famílias que necessitam do acesso ao medicamento para adquirir via importação, com preços exorbitantes, ou de maneira para-legal.

As associações de pacientes que fazem uso de maconha medicinal buscam através de ações na Justiça conseguir liberação via judicial para plantio e produção do medicamento em alguns lugares.

No entanto, o acesso judicial é considerado precário, já que pode ser revertido. A Associação Brasileira de Apoio a Cannabis Esperança (Abrace Esperança) chegou a ser alvo de uma tentativa de suspensão dos direitos de fornecer tratamento à base de maconha para mais de 15 mil pessoas a pedido da Anvisa.

No ano passado, a Anvisa também tentou cassar a liminar da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) que permitia o cultivo, produção e fornecimento de óleo de cannabis cassada a pedido da Anvisa.

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