Uma loja de departamento e um shopping da cidade de Aparecida de Goiânia têm de indenizar em R$ 50 mil reais, a título de danos morais, um jovem negro que foi abordado por seguranças enquanto fazia compras, sob a acusação de distribuir notas falsas no shopping. Na sentença, a juíza Viviane Atallah, da 3ª Vara Cível da comarca da cidade, observou que “a narrativa constante nas peças processuais é forte, evidencia preconceito em relação ao pobre, ao negro e/ao simples, ferindo a honra subjetiva do autor”.
Para a magistrada, “esta prática, enraizada culturalmente, deve ser combatida pelas empresas rés, que têm a obrigação de treinar adequadamente seus colaboradores, não se admitindo mais, em termos de Justiça Social, práticas racistas, preconceituosas e/ou abusivas”.
O rapaz alegou que em razão de um acordo rescisório trabalhista, recebeu o valor de R$ 13.519,92 e, na intenção de fazer algumas compras, frequentou por alguns dias o shopping para realizar pesquisa de preços e de produtos, quando comprou, no dia 2 de novembro de 2016, dois celulares, uma corrente de ouro e um relógio. Três dias depois ele voltou ao shopping com cerca de 2 a 3 mil reais e, ao adquirir alguns itens de vestuário na loja de departamento, quando foi abordado por seguranças que pediram que levantasse as mãos e levado para uma sala – espécie de depósito e mantido por alguns minutos fechado e no escuro, sob a acusação de distribuir notas falsas ao comércio local. Neste ambiente ele sofreu humilhação verbal e agressões físicas no peito e na cabeça.
Os seguranças, ao perceberem que as notas eram verdadeiras, quiseram saber a licitude do dinheiro e, uma vez esclarecido, o rapaz foi ameaçado a não procurar a Justiça. Contudo, no dia seguinte ele fez um Boletim de Ocorrência (BO) e, após uns dias, retornou à loja para buscar uma blusa que tinha adquirido mas não levado para casa, ocasião em que um funcionário forneceu-lhe uma cópia dos registros de segurança do dia do incidente para que pudesse buscar seus direitos.
O shopping alegou não existir provas que agiu com negligência, excesso ou desrespeito, existindo relação unicamente entre o autor da ação e a loja, visto que apenas alugou o espaço para o seu funcionamento. Por sua vez, a loja argumentou que não há provas de que o rapaz não foi atendido de forma adequada, e que a abordagem foi feita por autoridade policial. A gravação do episódio objeto da ação não foi apresentada pelos réus. A juíza observou que a responsabilidade solidária entre a administradora do shopping e o lojista é tema já pacificado nos tribunais.
Para ela, “a narrativa do autor mostrou-se verossímil, extraindo-se de sua fala a emoção decorrente da humilhação vivida no interior da loja, assim como a ausência de justa causa para a abordagem por ele sofrida, já que não se tem notícia de que se portava de forma suspeita ou estranha no interior do shopping ou da loja, trazendo a ideia de que a ação dos seguranças responsáveis teve relação direta com o fato de o autor ter ido diversas vezes ao shopping nos últimos dias e realizado compras em valores altos, incompatíveis, na visão dos seguranças, à sua aparência, já que é pessoa jovem, simples e de pele negra”.
A abordagem, para a magistrada, “mostrou-se abusiva e preconceituosa, pois não existia prática anormal por parte do autor, que, no shopping, fazia compras, ação que se espera de quem vai a esse local, não havendo como ser considerada como exercício legal da profissão ou de um direito”.
A juíza Viviane Atallah ressaltou que ao Poder Judiciário, nesta ação, “cabe punir, no bolso, aqueles que não respeitaram o próximo, que se esqueceram que todos somos humanos e iguais em direitos, que ações de segurança preventivas ou punitivas podem ser aplicadas apenas em situações que fogem do “normal”, do “comum”, do “esperado”, o que não ocorreu no caso em tela, vez que o autor nada fez para ser submetido à ação dos seguranças, apenas gastou mais do que sua aparência, no olhar dos seguranças locais, permitia”.