O ministro afirmou que não viu nada “de mais” nas mensagens e que não houve nenhuma orientação ao MPF. Para juristas forma como ele e Dallagnol reagiram à divulgação aponta que conversas são fidedignas.
Novos diálogos divulgados nesta quarta-feira (12) pelo site The Intercept Brasil reforçam a tese de que houve colaboração entre o então juiz federal Sergio Moro (hoje ministro da Justiça) e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
A publicação inclui novos trechos de conversas já divulgadas no domingo (9). Nas mensagens, Deltan dá detalhes da delação da Odebrecht, cobra ativismo de Moro e recomenda que o juiz tenha cuidado com segurança.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
Segundo a publicação, em conversa de 16 de outubro de 2015, os dois discutem o caso que investigava desvios na refinaria de Pasadena, nos EUA. A compra da refinaria americana causou bilionário à Petrobras.
Moro comunica que pretende abrir o sigilo dos depoimentos de “FB” (possivelmente se referia ao lobista Fernando Baiano, que virou delator) e pergunta se Deltan tem alguma objeção.
O procurador, por sua vez, pede que Moro mantenha o caso de Pasadena sob sigilo, pois a divulgação poderia atrapalhar futuros mandados de busca e apreensão -e até mesmo de prisão- que a força-tarefa planejava solicitar ao juiz.
Moro, por sua vez, diz que já deixou o processo à disposição das partes envolvidas e que “os deletados [delatados] já sabem que são delarados [delatados] há tempo” (sic). Os dois, então, combinam um encontro, que também incluiria representantes da Polícia Federal, para tratar de novas fases da operação.
Em outro episódio, desta vez em 13 março de 2016, Deltan faz uma série de elogios a Sergio Moro. “Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação”, diz o procurador.
Em seguida, Deltan pede que Moro “assuma mais” a campanha pela aprovação das 10 medidas de combate à corrupção. O projeto de lei, idealizado pelo Ministério Público Federal, estava parado no Congresso. Nesta semana, em ocasião do vazamento das conversas, a proposta voltou a tramitar no Senado.
“A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara. Não é por nós nem pelo caso (embora afete diretamente os resultados do caso), mas pela sociedade e pelo futuro do país”, diz o procurador a Moro.
Dias antes, em 21 de fevereiro, o procurador pediu que Moro redobrasse a cautela. No diálogo, Deltan dá a entender que haveria uma transação de dinheiro ilícito a uma pessoa que poderia ser advogado de José Rainha, ex-líder do MST.
“Tem muito fanático que não teria muito a perder e poderia querer se tornar herói”, afirma Deltan. Moro não chega a responder diretamente ao conselho, mas sugere trocar a ordem de fases da Lava Jato “diante dos últimos desdobramentos”.
No dia seguinte, foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé, que prendeu o marqueteiro do PT João Santana. Santana chegou a ser um conselheiro da então presidente Dilma Rousseff.
Dilma já sofria ameaça de impeachment no Congresso, mas ainda mantinha apoio parlamentar. Ao mesmo tempo, as equipes de Curitiba também investigavam o ex-presidente Lula, que seria alvo naquela época da 24ª fase da Lava Jato, nomeada Aletheia. A inversão sugerida por Moro provavelmente se refere a essa etapa, que acabaria promovendo a condução coercitiva de Lula.
Moro foi o juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba. Ele deixou a função ao aceitar o convite do presidente, em novembro, após a eleição. O site The Intercept Brasil informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram, de 2015 a 2018.
O ministro afirmou que não viu nada “de mais” nas mensagens e que não houve nenhuma orientação ao Ministério Público. Na próxima quarta (19), por iniciativa própria, ele prestará esclarecimentos ao Senado, Casa considerada menos hostil que a Câmara. Com isso, Moro busca se antecipar à aprovação de requerimentos para convocá-lo e tenta esfriar o clima para a criação de uma CPI sobre o caso.
Desde que mensagens que o conteúdo foi publicado, Bolsonaro ainda não comentou o caso. Na terça-feira (11), por exemplo, ele encerrou abruptamente uma entrevista quando foi questionado sobre o tema.
Colaborações
Para advogados e professores, a maneira como o atual ministro da Justiça e o procurador reagiram à divulgação das conversas, sem contestar o teor das afirmações e defendendo o comportamento adotado na época, aponta que o conteúdo é fidedigno e que ele pode servir de base para reverter decisões da Lava Jato, por exemplo, contra o ex-presidente Lula.
Por esse raciocínio, o fato de o material ter sido provavelmente obtido por meio de um crime faz com que ele não tenha como ser utilizado para acusar um suspeito, mas possa servir para absolver um acusado.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
Aconselhar uma das partes é, segundo o Código Penal, um dos critérios que define a suspeição do juiz, e pode levar à anulação de sentenças.
Fonte: Agência Brasil