A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (13) o texto-base do projeto que flexibiliza normas e dispensa uma série de atividades e empreendimentos da obtenção de licenciamento ambiental (veja mais abaixo).

Agora, os parlamentares precisam analisar os destaques – propostas que visam a modificar o conteúdo. A previsão é que os destaques sejam votados na sessão desta quinta (13), marcada para as 10h.

O texto, apresentado em 2004, foi relatado pelo deputado e ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), um dos integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária, conhecida como bancada ruralista. Segundo o relator, a lei busca reduzir “insegurança jurídica” em relação ao licenciamento.

A aprovação do texto gerou críticas de ambientalistas, ONGs e outros especialistas. Veja abaixo:

Greenpeace Brasil

A assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Luiza Lima, afirmou que a aprovação do texto “é uma afronta à sociedade brasileira”:

“O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação”, afirmou Lima.

Para a assessora, a manobra foi “uma demonstração clara de que a maior parte dos deputados segue a cartilha do governo Bolsonaro e vê a pandemia como oportunidade para ‘passar a boiada’ e atender a interesses particulares e do agronegócio”, disse.

Instituto Democracia e Sustentabilidade

André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade, define o projeto como “Lei do Deslicenciamento”.

“Esse projeto instala no Brasil o autolicenciamento ambiental como regra. Para dar apenas um exemplo, dos 2 mil empreendimentos sob licenciamento ambiental em curso na capital do Brasil, 1.990 passarão a ser autolicenciados a partir do primeiro dia de vigência da nova lei”, diz o coordenador.

Instituto Socioambiental

Para o consultor jurídico do Instituto Socioambiental, Maurício Guetta, o projeto pode se transformar na “maior ameaça da atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais”. Segundo ele, o texto aprovado põe em risco a Amazônia e demais biomas e os recursos hídricos.

“Ainda pode resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho e no total descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade de vida da população”, afirma.

Observatório do Clima

“É o texto da não licença, da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral”, diz Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima. Para ela, a aprovação do projeto dá as “mãos para o retrocesso e para a antipolítica ambiental do governo Bolsonaro.

“Quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, para sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações. Judicialização e insegurança jurídica é o que eles terão como resposta”, completa Araújo.

Fundação SOS Mata Atlântica

Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, diz que o texto-base afeta as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação.

“O texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, além de excluir o controle social dos princípios do licenciamento ambiental.”

Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

“O texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental”, diz a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso.

Cardoso explica que os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar em tempo, pois o prazo é “impraticável, além de estarem sucateados e silenciados”.

“Os parlamentares aprovaram um desastre que precisa ser revertido no Senado, ou no STF.”

Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)

Para o assessor em políticas públicas do ISPN, Guilherme Eidt, o texto-base é repleto de “inconstitucionalidades” e vai gerar insegurança jurídica para os empreendedores.

“Lamentável o desmonte do licenciamento ambiental. Um texto enviesado, discutido a portas fechadas com governo, ruralistas e industriais, que ignora o princípio da precaução e atropela os fundamentos do direito ambiental”, explica Eidt.

Ele reforça que “liberar geral para depois responsabilizar é um contrassenso total, que o digam os povos e comunidades tradicionais impactados em todo o país, as vítimas de Brumadinho e Mariana.”

Dispensa de licenciamento

O texto dispensa 13 empreendimentos ou atividades do licenciamento ambiental, entre elas obras para distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 quilovolts e sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário. Também não precisarão de licenciamento, caso o texto seja aprovado:

  • atividades de caráter militar previstos no preparo e emprego das Forças Armadas;
  • atividades considerados de porte insignificante pela autoridade licenciadora;
  • atividades que não se incluam nas listas de atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental;
  • obras e intervenções emergenciais de resposta a colapso de obras de infraestrutura, acidentes ou desastres;
  • obras e intervenções urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou interromper situação que gere risco à vida;
  • serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção;
  • pontos de entrega voluntária ou similares abrangidos por sistemas de logística reversa;
  • usinas de triagem de resíduos sólidos, mecanizadas ou não, devendo os resíduos ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada;
  • usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, devendo os resíduos ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada;
  • pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos;
  • ecopontos e ecocentros, compreendidos como locais de entrega voluntária de resíduos de origem domiciliar ou equiparados, de forma segregada e ordenada em baias, caçambas e similares, com vistas à reciclagem e outras formas de destinação final ambientalmente adequada.

Além disso, o relator dispensou de licenciamento:

  • cultivo de espécies de interesse agrícola;
  • pecuária extensiva e semi-intensiva e intensiva de pequeno porte;
  • pesquisas de natureza agropecuária sem risco biológico.

Segundo Neri Geller, o licenciamento neste caso “seria desnecessário e irracional” e indicaria “mero procedimento burocrático sem qualquer benefício ambiental”, uma vez que as atividades já estão sujeitas a normas específicas que regulam a cadeia produtiva.

G1