Com um milhão de visualizações no clipe de lançamento do primeiro trabalho, Gabeu se destaca no cenário musical como um dos precursores do queernejo. Autor de letras que referenciam vivências compartilhadas pela comunidade LGBTQIA+, o jovem busca revolucionar o sertanejo convencional.
“[O queernejo] É um lugar onde uma mulher trans canta sobre ser uma mulher trans caipira, onde tem o menino gay falando sobre um relacionamento gay no campo. O sertanejo pode ser várias coisas, é um som muito diverso”, diz.
Gabeu esteve a maior parte da vida embebido de sertanejo. Ele é filho do cantor Solimões, dupla de Rionegro. Aos 23 anos, ressignificou suas próprias raízes e encontrou no gênero musical que repeliu por boa parte da adolescência, a ferramenta artística para que pessoas diferentes pudessem ouvir sua realidade.
O que é o queernejo?
Definido por artistas do seguimento, o queernejo é um movimento musical que se deriva de uma matriz sertaneja. O termo queer engloba as múltiplas possibilidades de gênero e sexualidade.
De acordo com Gabeu, o queernejo surgiu em 2019, quando ele assinou as primeiras produções inspirado pelo trabalho da drag queen Reddy Allor.
O principal objetivo é promover um espaço de acolhimento para artistas que, apesar de se identificarem com o sertanejo, não se sentem representados pela produção convencional que abordam o universo heterossexual.
“O queernejo tem um papel social de fazer com que pessoas LGBTs do campo, dos interiores, em contextos sertanejos e rurais, se sintam mais possíveis dentro desses contextos”, explica.
Além de trazer a representatividade que tanto sentiu falta durante a adolescência e parte da vida adulta, Gabeu destaca a importância de se criar um espaço capaz de aproximar os indivíduos de suas raízes e promover um estilo musical rico em diferentes narrativas.
“É uma música que mistura outros tipos de narrativas, outras abordagens, outros tipos de corpos e vozes. É um lugar para as pessoas que não se sentem abraçadas pelo sertanejo.”
Junto a Gabeu, artistas como Alice Marcone, Gali Galó, Zerzi e Bemti, constroem a base do movimento. Para Gali Galó, artista com mais de 10 anos de carreira, o queernejo tem espaço para crescer.
Gali aponta que ao desenvolver, em parceria com Gabeu, o primeiro festival queernejo do Brasil, batizado como Fivela Fest e realizado em 2020, o movimento ganhou mais adeptos e aproximou os artistas.
“Foi tudo de maneira independente, sem nenhum patrocínio. Criamos ali um embrião e, agora, a nossa expectativa é crescer isso. Desse festival nasceram muitas parcerias, fomos nos misturando”, afirma.
Raízes sertanejas
Gabeu presenciou desde pequeno o movimento nos palcos e a proximidade com o público. Com dúvidas sobre o rumo profissional, chegou a se envolver com teatro e cinema, mas logo percebeu que o caminho estava mesmo na música.
No repertório, recheado de referências do sertanejo ‘raiz’ e do universo pop, Gabeu mescla múltiplas inspirações, que vão de Milionário & José Rico a Lady Gaga. Dessa mistura, surge uma persona artística que explora tanto temas leves como pautas delicadas.
“Gosto muito da dupla Alvarenga & Ranchinho, as personas artísticas, porque além de cantores, eles eram atores. Toda essa coisa caricata e cômica do humor eu acredito que vem desse lugar, um pouco do meu pai também, ele é uma inspiração nesse sentido”, aponta.
Com apoio da família, Gabeu utiliza suas produções para abordar temáticas pouco discutidas no meio musical tradicional e que trazem forte impacto para integrantes da comunidade LGBTQIA+.
No queernejo, as canções falam sobre ser um menino gay no campo. No novo álbum, ‘Agropoc’, Gabeu soma quase um milhão de acessos na conta oficial no Spotify.
De chapéu e botina
Gali Galó, que é natural de Ribeirão Preto (SP), enxergou no queernejo sua reinvenção artística. Se antes era pela guitarra do indie rock que encontrava identificação, agora é com a viola nas mãos que se sente em casa.
“Eu tive pouco tempo para experimentar o queernejo no palco e ainda bem que eu tive. Foi muito louco tocar. Subi fazendo o queernejo com moda de viola e violão, foi como se encontrasse o meu lugar ali, a minha casa”, relembra.
Depois de passar 15 anos em São Paulo, Gali retornou a Ribeirão Preto e pôde abraçar suas raízes, enxergando beleza e acolhimento no chão de ‘sua terra’. É com botina e chapéu que resgata o sentimento de pertencimento ao interior.
“Tem uma falta de representatividade e por essa falta eu acabei me afastando, fui parar em São Paulo, dei um volta para descobrir que o que tem na minha terra é legal”, afirma.
Para Galó, as experiências que cada artista do gênero coleciona faz com que o movimento se fortaleça e seja vivenciado com ainda mais orgulho e vontade de expansão. Aos seus olhos, o futuro guarda muitas novidades e reconhecimento.
“Temos que ter orgulho desse movimento que a gente criou, porque se não tivéssemos nascido aqui e não tivesse tido os costumes, passado até pelo preconceito que passamos, a gente não teria criado músicas com essas narrativas”, diz.
G1