Numa das cenas de “Meu Pai”, filme que estreia nas plataformas digitais nesta quinta-feira (8), Anne, vivida por Olivia Colman (vencedora do Oscar de Melhor Atriz por “A Favorita”), passa pela escultura de um rosto incompleto, cravado no chão.
A imagem serve como alegoria da situação mostrada no longa, em que a personagem de Colman vive uma relação complicada com o pai, Anthony (Anthony Hopkins, de “Dois Papas”). O engenheiro aposentado insiste em viver em seu apartamento em Londres, mas não tem condições de se cuidar sozinho. Assista abaixo ao trailer.
Para piorar, Anthony se recusa a ter qualquer pessoa cuidando dele e começa a lidar com situações inusitadas como notar a presença de estranhos em sua casa, que dizem ser os donos do apartamento. Ele também convive com declarações e atos de Anne que se contradizem. Haveria um plano para tirá-lo de seu lar?
O problema é que Anthony apresenta sinais de demência causados pelo Mal de Alzheimer. À medida que a doença parece avançar, Anne precisa entender o comportamento imprevisível dele e se vê levada a tomar decisões difíceis, porém importantes, para a vida de ambos.
Labirinto da mente
O que torna “Meu pai” uma experiência impactante para o espectador é a maneira que o diretor francês Florian Zeller, com uma longa carreira no teatro e estreando no cinema, resolve contar a história.
Inspirado na peça que ele escreveu (e foi encenada no Brasil) Zeller faz com que o público acompanhe o drama de Anthony compartilhando suas dúvidas e incertezas sobre os acontecimentos.
Não se sabe o que é verdade e o que não é, como se a mente do protagonista fosse um labirinto, onde não é tão simples encontrar uma saída. O roteiro para o cinema tem a assinatura de Christopher Hampton (conhecido por “Ligações Perigosas”).
Para isso, o diretor conta com uma condução segura de seu elenco, além de uma ótima edição feita por Yorgos Lamprinos (indicado ao Oscar 2021 nesta categoria).
A montagem das cenas ajuda a dar a ideia de desorientação do protagonista. A imersão nos problemas causados pela doença é muito mais simples.
Zeller consegue escapar das armadilhas diante de uma trama baseada em relações familiares. Ele trata os conflitos entre pai e filha de uma maneira plausível e de fácil identificação, sem se entregar a clichês que poderiam comprometer a experiência. Embora dolorosas em alguns momentos, fica difícil não se envolver ou comover com as questões mostradas no filme.
Inversão de papéis
Mas o que salta aos olhos em “Meu Pai” são as interpretações de Anthony Hopkins e Olivia Colman, ambos merecidamente indicados ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante.
O astro britânico, que já ganhou a estatueta pelo Hannibal Lecter de “O Silêncio dos Inocentes” (1991), estava devendo um trabalho à altura de seu talento há algum tempo. Aqui, tem uma de suas melhores atuações nos últimos anos.
Seja na forma de falar, nos gestos e, principalmente, no olhar, Hopkins transmite uma assombrosa verdade com o seu personagem. Ele impressiona e comove em sua luta para não perder a identidade, apesar de sua doença deixar marcas implacáveis em sua vida e nos outros ao seu redor.
Já Colman mostra muito bem o carinho que Anne sente pelo pai, ao mesmo tempo em que se angustia pela sensação de que está invertendo seu papel na relação com ele. Ela vai notando que ele está deixando de ser a pessoa que foi no passado e que, talvez, não tenha como lidar com ele da maneira que merecia e que fosse segura para todos.
Muitos filhos passam por isso com seus pais quando estão diante de uma questão grave de saúde. Assim, o espectador cria empatia e se compadece dos conflitos que a personagem tem para decidir o que fazer, por mais doloroso que seja.
Além das indicações nas categorias de Ator, Atriz Coadjuvante e Edição, “Meu Pai” também concorre como Melhor Filme, Roteiro Adaptado e Design de Produção. Todas merecidas.
Mas independentemente disso, o filme merece reconhecimento pela sua excelência ao tratar de assuntos tão complicados com pungência e sensibilidade. Ele fica na memória por bastante tempo após o seu desfecho. Algo que apenas bons filmes são capazes de fazer.
G1