Em 28 de maio deste ano, o Governo Federal publicou um alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. No Brasil, no entanto, crise hídrica não é uma novidade, ainda que o Brasil detenha cerca de 12% de toda a reserva mundial de água potável do mundo. Com grande destaque, a crise energética de 2001, por exemplo, obrigou o governo a adotar o racionamento de energia para conter as consequências daquela situação.
Assim como em outros momentos, a crise hídrica de 2001, teve múltiplas motivações que passaram tanto pela escassez das chuvas e pela falta de planejamento e investimentos no sistema de produção e geração de energia. Já em 2021, ano em que o país presencia a pior falta de chuvas em 90 anos, além de preocupar especialistas quanto aos impactos ao cotidiano da população e até mesmo ao próprio meio ambiente.
André Amorim, que é meteorologista e gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas do Estado de Goiás (CIMEHGO), explica que, antes de tudo, de modo geral, o que caracteriza uma crise hídrica é a constatação de que os volume das chuvas nos últimos anos não foi suficiente para a manutenção dos rios e reservatórios. “Atualmente, estamos passando por um processo de ciclo de chuvas de baixo volume e irregulares para um período em deveria acontecer a recarga de mananciais e reservatórios. No entanto, essa recarga não vem acontecendo”, esclarece, além de ressaltar a pauta das mudanças climáticas que, para ele, não podem ser descartadas, ao passo que “afeta o mundo de várias maneiras”.
O cenário atual, no entanto, para o Superintendente de Recursos Hídricos e Saneamento da Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Marco Neves, pode ser dividido em dois processos: o de âmbito nacional e o do estado de Goiás. Ele explica que, em larga escala, a escassez hídrica engloba todo o Centro-Oeste e os estados de São Paulo e Paraná, são especialmente causadas por questões climáticas. Já o outro movimento mencionado pelo superintendente, por ser mais regionalizado, é relacionado ao Rio Meia Ponte e o Ribeirão Piancó. Além da Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que conduz a gestão dos recursos hídricos em Goiás, quem gere essas situações nacionalmente é a Agência Nacional de Águas.
“Nacionalmente, essa escassez é relacionada especialmente à bacia hidrográfica do Rio Paranaíba. Nessa região, a diminuição de chuvas nesse período do ano vem se repetindo. Isso afeta reservatórios de água, de geração de energia, hidrovias, entre outros. E apesar deste rio ser federal, existem vários afluentes, rios de menor porte, que cortam Goiás, como o Rio dos Bois, Rio Meia Ponte, Rio São Marcos, Rio Corumbá e o Rio Veríssimo, por isso estamos envolvidos”, contextualiza.
O ambientalista e especialista em Planejamento Urbano e Ambiental, Gerson Neto, explica que, o estudo da vazão dos rios, em decorrência desse processo que anualmente se mostra presente com menor ou maior força, geralmente se sabe precisamente o que esperar de quantidade de água a cada época do ano. Isso, porque em Goiás, onde se predomina o bioma Cerrado, existem duas estações climáticas bem definidas: uma seca, que dura de 4 a 6 meses, e outra chuvosa.
“O alerta de crise hídrica está sendo dado porque as vazões de muitos rios importantes para abastecimento humano e para a geração de energia já estão muito abaixo das médias historicamente observadas para este período em que estamos. Em Goiânia, o Rio Meia Ponte já aponta que neste ano poderemos ter que decretar um racionamento, sendo que nos últimos dois anos já estivemos muito próximos da adoção dessa medida”, complementou.
Apesar de em 2001 a crise também ter sua relação com as questões climáticas, especialistas a consideram diferente da que assola o país neste momento. Para o metereologista, André Amorim, deste período até hoje algumas coisas evoluíram e outras ficaram estagnadas. Entre as estagnadas, ele cita estratégias energéticas que o país deveria ter adotado, como a exploração de outras fontes de energia renovável como a solar. Já Gerson Neto, que é ambientalista, acredita que, desde aquele momento, o que colaborou “o afastamento do fantasma dos apagões”, mas que tiveram e ainda tem seu preço a ser pago, foi o forte investimento em Usinas Termelétricas altamente poluidoras e geradoras de aquecimento global, e da construção de novas hidrelétricas na Amazônia.
“Em dado momento, houve uma certeza no Brasil: de que a Matriz Hidrelétrica, apesar de seu imenso custo social e ambiental, deslocando populações e destruindo grandes extensões de ecossistemas aquáticos e terrestres, daria ao Brasil uma segurança energética. As mudanças climáticas estão mostrando que isso é falso. O atual governo está trabalhando duas ações para buscar diminuir o impacto do esperado apagão: ativar mais termelétricas, o que vai gerar mais aquecimento global, e desobrigar a garantia de vazão mínima ecológica dos rios, o que vai destruir ecossistemas para sempre”, afirmou.
Isso, no encanto, acaba gerando um ciclo difícil de se colocar um fim. O ambientalista Gerson Neto explica que, por um lado, enquanto por um lado esse desmatamento da Amazônia reduz a produção da umidade que se espalha por toda a América do Sul e provoca as chuvas no fenômeno que chamamos de Rios Voadores, por outro, o aquecimento global provoca secas mais prolongadas e o fim dos períodos de invernada, que é quando cai um chuvisco lento que dura muito tempo e que recarrega os lençóis subterrâneos que vertem lentamente nas nascentes durante todo o ano. “O assoreamento dos rios, a destruição das nascentes e o desmatamento das áreas de recarga do lençol freático subterrâneo também são causas dessa diminuição das vazões de água que nos leva a crise hídrica”, traduz o ambientalista.
Com a intensidade da crise hídrica de 2021, os efeitos já começaram a surtir, inclusive, no bolso do consumidor, uma vez que as bandeiras tarifárias das contas de energia, por exemplo, tiveram seu aumento. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o rombo na conta das bandeiras esse ano já passou de R$ 1,5 bilhão. Essas bandeiras tarifárias consistem em um valor adicional cobrado ao consumidor com o objetivo de cobrir o custo da geração de energia por parte das termelétricas, em decorrência do baixo nível das hidrelétricas.
As hidrelétricas brasileiras, explica o especialista em Planejamento Urbano e Ambiental, Gerson Neto, utilizam a força cinética da água passando por uma turbina e provocando sua rotação, sendo o mesmo princípio da roda d’água, só que com maior aproveitamento tecnológico do movimento da água. Assim, quanto mais força a água gera ao fazer girar a turbina, mais energia é produzida para ser enviada pelos sistemas de transmissão por longas distâncias até os centros consumidores. No entanto, com o baixo reservatório de água o país se vê na necessidade de se refugiar nas termelétricas em prol de conseguir suprir a demanda nacional de energia.
Assim, assim como o meteorologista e gerente da GIMEHGO, André Amorim, o ambientalista Gerson Neto ressalta a importância de uma reavaliação da estratégia utilizada atualmente e da diversificação da matriz energética do Brasil. Em especial, o maior investimento em Energia Solar.
“Temos muitas empresas prontas para fazer instalações de pequenos sistemas solares residenciais por todas as cidades do país. O governo precisa financiar e facilitar para que as próprias pessoas instalem seus sistemas ampliando a disponibilização de energia elétrica de forma rápida, segura e com qualidade, já que a energia solar produz uma energia mais estável e limpa que a hidrelétrica ou termelétrica”, pontuou Gerson.
Enfrentamento à crise em Goiás
Consultado acerca das ações já implementadas em Goiás o enfrentamento do alerta hídrico na Bacia do Meia Ponte, decretado pelo governador Ronaldo Caiado no fim do mês de abril, o Superintendente de Recursos Hídricos e Saneamento da Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Marco Neves, menciona a implantação de sistemas de monitoramento automático da quantidade de água. Ele detalha que em seu próprio celular consegue saber a quantidade de agua está passando pelo Rio Meia Ponte, por meio da estação implementada. “São 9.086 L/s, isso tenho de uma forma automática. Isso foi implantado ano passado e hoje a gente usufrui de informação muito mais rápida e séria. Caso ocorra exagero podemos informar por SMS que havendo um exagero no uso da água e implementar ações de fiscalização mais diretas”, explica Marco.
A educação ambiental, realizada especialmente por meio de campanhas, tem sido uma das grandes prioridades atuais. “Vejo essa conscientização crescendo nas cidades. Na semana do meio ambiente, por exemplo, foram distribuídas homenagens usuários racionais que são exemplos no uso da água. Além disso, temos ressaltado que no meio urbano essa conscientização começa desde criança, no uso da água dentro de casa, de diversas maneiras”, diz.
Nesse contexto, ressalta a importância das ações individuais, mas acrescenta que a conscientização populacional vem aumentado de forma significativa com o passar dos anos. “A população já sabe como se comportar, sabe da importância do uso consciente da água na hora de tomar banho, escovar os dentes, lavar louças, de se realizar a troca por equipamentos domésticos mais poupadores de água, do não uso da água para lavar carros e calçadas, e da diminuição da perda nas tubulações de distribuição”, exemplifica.
No entanto, ainda há muito a se avançar. Além da fiscalização da retirada de água dos rios e de uma nova análise dos licenciamentos ambientais de irrigação para os volumes de suas licenças mencionados pelo meteorologista André Amorim, o superintendente Marco Neves ressalta sobre o cuidado com a água no meio rural e na produção.
“Claro que se não chover não tem água, no entanto, uma vez eu chova, essa água cai e pode infiltrar no solo ou escoar para os rios. Se no meio rural se tem árvores plantadas e nascentes protegidas, essa percolação faz o solo absorver muito melhor a água. É um tipo de ação que deve ser empenhada pelo governo e pelo proprietário rural, até com mecanismos de incentivo. O pagamento por serviços ambientais ainda é tímido e pode ser implementado com mais vigor, onde aqueles conservadores de água no meio rural sejam remunerados e reconhecidos”, conclui o Superintendente de Recursos Hídricos e Saneamento, Marco Neves.
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