O Ministério Público de Goiás (MP-GO), por intermédio da 3ª Promotoria de Justiça de Trindade, denunciou os policiais militares Ricardo da Costa Faria, Carlos Pinheiro Lopes, Leonardo de Oliveira Cerqueira e Jefferson da Silva Gomes, lotados no Batalhão de Operações Especiais (Bope) de Goiânia, pelo homicídio, com a qualificadora de emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, dos irmãos Victor de Paula Araújo e Kalebe de Paula Araújo.
Os PMs também foram denunciados por fraude processual, com concurso material de crimes. Os fatos ocorreram no dia 6 de janeiro deste ano, no interior da residência em que as vítimas moravam, no Setor Maysa 2, em Trindade.
De acordo com o promotor de Justiça Eudes Leonardo Bomtempo, os policiais militares disseram, em depoimento à Polícia Civil, que haviam recebido informações, do serviço de inteligência do Bope, de que Victor Araújo seria foragido da Justiça, portava arma de fogo e traficaria drogas na casa em que morava. Eles contaram que chegaram ao local por volta das 10h50 e decidiram entrar no imóvel, pois concluíram que se tratava de um ponto de venda de drogas.
Conforme a denúncia, o policial Jefferson estacionou a viatura na porta da residência e ficou na rua dando segurança aos demais. Todos portavam armas de grosso calibre. Reprodução simulada dos fatos, de acordo com o promotor de Justiça Eudes Leonardo Bomtempo, mostrou que a equipe gastou 2 minutos e 24 segundos para entrar no imóvel, mas permaneceu mais de meia hora no seu interior, quando foram ouvidos, por testemunhas, gritos ordenando que as vítimas permanecessem deitadas ou sentadas, além de súplicas dos dois irmãos para que não fossem mortos.
Os tiros, de acordo com a peça acusatória, foram disparados por volta das 11h36. “Após os primeiros disparos, o denunciado Jefferson da Silva Gomes ligou a sirene da viatura. Foi ouvida outra sucessão de tiros nos fundos da residência, exatamente onde os corpos das vítimas foram encontrados posteriormente pelas equipes de socorro”, relatou o promotor. As duas sequências de tiros ocorreram, segundo a denúncia, cerca de 30 minutos depois que a equipe do Bope entrou no imóvel. Victor de Paula Araújo foi atingido por três disparos de arma de fogo e Kalebe de Paula Araújo foi atingido duas vezes.
Ambulâncias
Com as vítimas caídas, imóveis e sangrando no chão dos corredores estreitos existentes nos fundos da casa, os denunciados fizeram uma busca na residência, narra a denúncia. Em seguida, Jefferson foi orientado por Carlos Pinheiro Lopes a dar uma volta no quarteirão com a sirene ligada e, assim que retornasse, chamasse o socorro médico. Instantes depois e antes do socorro médico, outras equipes da Polícia Militar chegaram ao local e entraram no imóvel. Passados alguns minutos, chegaram duas ambulâncias, uma do Corpo de Bombeiros e outra do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), e, conforme relatado pelos socorristas, os policiais afirmavam, a todo instante, que as vítimas ainda estavam vivas.
De acordo com a denúncia, as equipes médicas não constataram sinais vitais nos dois irmãos, mas, devido à coação dos demais policiais e também dos próprios denunciados, os componentes das equipes de resgate fizeram procedimentos de reanimação nas vítimas e, em seguida, as transportaram para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Setor Soares, em Trindade, onde foram confirmados os óbitos. Após a retirada das vítimas, os policiais militares não providenciaram o isolamento do local para a realização de exames periciais, reforçou a denúncia.
Manipulação
Além disso, segundo o promotor de Justiça, os policiais militares apresentaram à Polícia Civil três armas de fogo, um simulacro de pistola e três tabletes de maconha que teriam sido encontrados na residência. No entanto, o laudo pericial não constatou impressões digitais nos objetos. A perícia de vistoria em local de crime foi realizada às 18 horas e revelou que “teria havido manipulação do ambiente por parte dos policiais” e que o “local encontrava-se sem quaisquer medidas de isolamento”, motivo pelo qual, os peritos constataram que o local se tornou “inidôneo”.
“Os procedimentos adotados pelos denunciados prejudicaram a obtenção de elementos relativos à dinâmica de toda ação policial desenvolvida por eles no interior da residência. Com isso, os denunciados, intencionalmente, alteraram, ou seja, inovaram de forma artificiosa o estado de lugar, coisas e pessoas, com o fim de induzir a conclusões equivocadas e afastar a responsabilidade penal deles pela morte das vítimas”, afirmou o promotor de Justiça.
Os policiais militares foram denunciados por homicídio com a qualificadora de utilização de recurso que dificultou a defesa das vítimas, consistente, segunda a denúncia, na surpresa com superioridade de força. “Percebe-se uma superioridade de forças, pois os denunciados agiram conjuntamente, com equipe composta por quatro integrantes de operações especiais, portanto com treinamento tático e fortemente armados. Enquanto as vítimas estavam em flagrante desvantagem e, neste contexto fático, tiveram, portanto, reduzidas as possibilidades de reação e fuga”, narrou o integrante do MP.