O Estado de Goiás terá de pagar indenização por danos morais de R$ 20 mil a um estudante que foi agredido por um professor, que, por meio de um golpe popularmente conhecido como “gravata”, tentou fazer com que ele comesse uma bolinha de papel que o atingiu durante brincadeira da turma em sala de aula. A juíza Patrícia Passoli Ghedin, da 2ª Vara (Fazenda Pública, Criminal, Execuções Penais e Juizado Especial Criminal) da comarca de Bom Jesus, ressaltou que “todas as provas carreadas aos autos pelas partes demonstram de forma indubitável o ato do professor estadual temporário de executar uma gravata e obrigar o aluno a engolir uma “bolinha de papel”.
Representado pelo pai, o estudante sustentou que estava matriculado no 6º ano do ensino fundamental e foi fortemente constrangido diante de todos os alunos que se encontravam na sala de aula. Salientou que ao brincar de jogar bolinha de papel com seus colegas de classe, uma delas atingiu o quadro próximo ao local em que se encontrava o professor. Na época do fato, ocorrido em 8 de dezembro de 2017, ele tinha 13 anos.
Foi então que o professor de educação física de um colégio estadual do Município de Bom Jesus perguntou à classe o que deveria fazer com a bolinha de papel. Se deveria jogá-la de volta ao autor ou fazer com ele a comesse. Os alunos, por sua vez, disseram que ele deveria fazer o responsável comer a bolinha de papel.
Segundo os autos, foi aí que o professor, de maneira violenta, teria ido ao encontro do estudante e por meio de uma “gravata”, tentou colocar a bolinha de papel em sua boca por três vezes, conforme imagens apresentadas ao processo. Em seguida, sem manifestar qualquer arrependimento de sua conduta, saiu da sala de aula e os alunos lá permaneceram, assustados. O pai do aluno registrou boletim de ocorrência junto à Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária e o caso ganhou repercussão em jornais e sites da região.
O Estado de Goiás reconheceu o ato do professor. Contudo, salientou que houve culpa da vítima, uma vez que possuía diversas fichas disciplinares nas quais constam o seu comportamento inadequado no ambiente escolar.
Para a magistrada, o professor “possuía o dever de promover o acesso à educação aos seus alunos e, se necessário, promover as devidas repreensões dentro dos limites pedagógicos inerentes à profissão, o que não ocorreu nos autos”. Ela ressaltou que a situação vivenciada pelo aluno configura humilhação pública e promove, sem maiores esforços interpretativos, inquestionável dano moral. Também observou que é evidente que a conduta agressiva perpetrada pelo professor, agente estatal, ao aluno, ocasionou o dano extrapatrimonial sofrido, estando configurado, igualmente, o nexo causal entre a conduta praticada e o resultado final danoso.
A juíza destacou ainda que o conjunto probatório demonstra que, de fato, as atitudes perpetradas pelo professor causaram ao autor dano moral passível de indenização, tendo sido necessária, inclusive, a tomada de providências pela instituição de ensino, tais como a comunicação do ocorrido à Subsecretaria de Educação, ao pai do aluno e afastamento do professor, fato que inclusive acarretou na exclusão de seu contrato temporário.
A juíza Patrícia Passoli Ghedin ponderou que a atividade de professor é estressante e, muitas vezes, mal recompensada, notadamente pelo grau de importância que a educação tem (ou ao menos deveria ter) na evolução da sociedade. “Não obstante a previsão legal, faltam meios para implementação de um sistema global de atendimento, que permite o encaminhamento de alunos com dificuldades específicas, desestruturação familiar ou pura disciplina para um acompanhamento especializado que permita o seu desenvolvimento sadio”, pontuou a magistrada.
Contudo, estas considerações, para ela, “não tem o condão de autorizar que o educador faça (a sua) justiça literalmente com as próprias mãos, agredindo alunos em razão do mau comportamento, seja pelo arremesso da bola de papel, seja por supostas agressões verbais homofóbicas por ele proferidas. O comportamento deve ser repreendido pelas vias legais e não pela agressão”.
A magistrada ressaltou não defender que a escola deva ser uma algazarra em que o aluno tem sempre razão. Pelo contrário, para ela “a escola é o atual centro de crescimento e socialização de crianças, tendo papel fundamental no desenvolvimento desses seres humanos em formação. Disciplinar faz parte do ato de educar, sendo necessário estabelecer limites e padrões de comportamento dentro da sala de aula. Ocorre, porém, que sob nenhum aspecto violentar está compreendido do conceito de educação”.
Para ela, não há que se falar em existência de culpa concorrente do autor, ou qualquer outra causa atenuante, vez que a postura adotada pelo professor fora totalmente incompatível com a que se espera de um educador.