A pandemia de coronavírus disparou uma corrida por plástico. De Wuhan a Nova York, a demanda por protetores faciais, vasilhames, luvas e embalagens disparou. E como a maior parte destes produtos não pode ser reciclada, seu destino final é o lixo.
Mas há outra consequência. A pandemia intensificou uma guerra de preços entre plástico reciclado e virgem, produzido pela indústria petroquímica. É uma guerra em que os recicladores do mundo estão perdendo, segundo dados de preços e executivos.
“As pessoas estão enfrentando muitas dificuldades”, disse à Reuters o presidente-executivo da Fukutomi Recycling, de Hong Kong, e presidente da Associação de Descarte de Plástico.
O motivo para isso é que o ciclo de criação de quase todo plástico começa com combustível fóssil. A desaceleração da economia global derrubou a demanda por petróleo, induzindo uma derrocada nos preços de plásticos virgens.
Desde 1950 o mundo produziu 6,3 bilhões de toneladas de lixo plástico e 91% disso nunca foi reciclado, segundo levantamento da revista científica Science. A maior parte desse material é difícil de ser reciclada e muitos recicladores dependem há muito tempo de incentivos governamentais. Já o plástico virgem custa metade do preço do plástico reciclado mais comum.
Plástico no fundo do mar perto da ilha de Andros, na Grécia, em foto de julho de 2019 — Foto: Stelios Misinas/Arquivo/Reuters
Desde o surgimento da pandemia de Covid-19, mesmo garrafas de bebidas feitas de plástico reciclado, o tipo mais reciclado, se tornaram menos viáveis. O plástico reciclado para produzi-las está 83% a 93% mais caro que uma garrafa nova, segundo dado da Independent Commodity Intelligence Services (ICIS).
Além disso, a pandemia atingiu a disposição de muitos políticos ao redor do mundo de manterem uma guerra contra o plástico de uso único.
O plástico, cuja maior parte dele não se decompõe, é um motor da mudança climática. A produção de quatro garrafas plásticas libera mais gases de efeito estufa do que dirigir por cerca de 1,5 quilômetro, segundo o Fórum Econômico Mundial. Os EUA incineram seis vezes mais plástico do que reciclam, segundo pesquisa de 2019 produzida por Jan Dell, um engenheiro químico e ex-vice-presidente da Comissão Federal dos EUA para o Clima.
E o coronavírus acentuou a tendência de se criar mais, não menos, lixo plástico.
Demanda por plástico tende a crescer
Garrafas plásticas no lixo de Manila, nas Filipinas, em foto de 20 de julho — Foto: Eloisa Lopz/Reuters
A indústria petrolífera planeja investir cerca de US$ 400 bilhões nos próximos cinco anos em fábricas que produzem matérias-primas para fabricar plástico virgem, segundo estudo de setembro do centro de pesquisa Carbon Tracker.
Isso ocorre porque, conforme a eletrificação de veículos ganha força e reduz a demanda por combustível, a indústria petrolífera espera que o aumento da demanda por plástico possa assegurar o crescimento da demanda por petróleo e gás. O setor conta com uso crescente de plásticos pela população mundial.
“Ao longo das próximas décadas, o crescimento da população e da renda devem criar mais demanda por plásticos”, disse a porta-voz da ExxonMobil Sarah Nordin à Reuters.
A maior parte das companhias afirma que se preocupa com lixo plástico, mas os investimentos delas em esforços de redução são só uma fração dos recursos aplicados na produção de plástico.
A Reuters pesquisou 12 das grandes empresas químicas do mundo: Basf, Chevron, Dow, Exxon, Formosa Plastics, Ineos, Shell LG Chem, LyondellBasell, Mitsubishi Chemical, Sabic, e Sinopec. Apenas parte delas deu detalhes sobre quanto investem em redução do lixo que seus produtos criam. Três não responderam.
A maior parte disse que está canalizando esforços num grupo chamado Alliance to End Plastic Waste (Aliança pelo Fim do Lixo Plástico), também apoiado por companhias de produtos de consumo e que prometeu US$ 1,5 bilhão nos próximos cinco anos para cumprir o objetivo que deu nome à organização. A petroquímica brasileira Braskem faz parte do grupo.
Trabalhadores recolhem lixo em Manila, Filipinas, em 20 de julho — Foto: Eloisa Lopez/Reuters
Os 47 membros da aliança, a maior parte da indústria do plástico, tiveram uma receita combinada de quase US$ 2,5 trilhões no ano passado, segundo levantamento da Reuters.
No total, os compromissos anunciados pela Aliança e pelas empresas consultadas pela Reuters representam menos de US$ 2 bilhões em 5 anos, ou meros US$ 400 milhões por ano.
“Países com infraestrutura insuficiente para lidar com gestão de lixo e reciclagem estarão pouco equipados perante volumes crescentes de lixo plástico”, disse Lisa Beauvilain, diretora de sustentabilidade da Impax Asset Management, gestora com US$ 18,5 bilhões sob administração.
“Estamos literalmente nos afogando em plástico”, acrescentou.
Recicladores veem perdas
Latas separadas para reciclagem em Seixal, Portugal, em foto de 7 de julho — Foto: Rafael Marchante/Reuters
Desde a pandemia, recicladores no mundo afirmaram à Reuters que seus negócios afundaram, em mais de 20% na Europa, em 50% em partes da Ásia e até 60% no caso de algumas empresas nos EUA.
Greg Janson, da QRS, no Estado norte-americano de Missouri, disse que os EUA se tornaram um dos lugares do mundo mais baratos na produção de plástico virgem.
“A pandemia exacerbou este tsunami”, disse ele.
Enquanto isso, um porta-voz do grupo química alemão Basf afirmou que “capacidade de produção mais alta não significa necessariamente mais poluição”.
G1