O Rio Negro alcançou neste domingo (30) a marca de 29,97 metros, e a cheia deste ano se igualou ao recorde histórico de 2012 em Manaus. No sábado, o rio permaneceu estável e neste domingo, subiu 2 centímetros.
O Centro, uma das áreas mais afetadas na capital, já tão cheio de comerciantes, pedestres e veículos, agora precisa arrumar espaço para lidar também com uma água que invade pouco a pouco ruas e avenidas históricas.
Em todo o Amazonas, dos 62 municípios do estado, 58 já foram afetados. A cidade de Anamã, por exemplo, está 100% inundada e por lá até um hospital precisou ser transferido para uma balsa, para receber os pacientes. Em Parintins, o nível do Rio Amazonas bateu o recorde da cheia histórica de 2009, que era 9,38 metros, e segue em disparada.
Especialistas ouvidos pelo G1 dizem que uma cheia severa era prevista. Em março, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) chegou a fazer uma previsão e disse que o Rio Negro ultrapassaria os 29 metros. Mas, parece que com o decorrer do tempo, o rio resolveu subir um pouco mais.
“Em março fizemos a primeira previsão, em abril a segunda previsão e no dia 30 [de abril], os resultados mostraram que muito provavelmente o nível do rio estaria entre 29,50 e 30,50 metros. Tem um intervalo porque a previsão não é assertiva, mas o valor mais provável é que o rio alcance algo em torno de 30 metros”, explicou a pesquisadora do CPRM, Luna Gripp, que monitora a cheia.
- Causas: Fortes chuvas na bacia do Rio Negro e variação climática nos oceanos têm participação no fenômeno;
- Cheias recorrentes: Das 11 maiores cheias enfrentadas pelo estado, sete ocorreram desde 2009;
- Problema é antigo: Pesquisador defende que casas e até municípios sejam retirados das áreas críticas e reconstruídos longe dos rios.
Cheias recorrentes
Para os pesquisadores é indiscutível que o fenômeno está cada vez mais frequente. Das 11 maiores cheias enfrentadas na capital nos últimos 100 anos, sete ocorreram desde 2009 para cá.
“A gente tem uma base de dados no Porto de Manaus que vem desde 1902. A maior cheia da história tinha sido em 1953, que se perpetuou por muito tempo. Quando foi em 2009 ela foi superada. Acreditava-se que a cada 50 anos, a gente teria uma cheia daquela magnitude, só que em 2012, três anos depois, ela já foi superada de novo e a gente tem entre as 11 maiores cheias 2012, 2013, 2014, 2015. Com isso, a gente observa que os fenômenos estão mais frequentes e também mais intensos”, disse a pesquisadora do CPRM, Luna Gripp.
Causas
Para Gripp as fortes chuvas que caíram em toda a bacia do Rio Negro podem ter sido fundamentais para a cheia deste ano. Segundo ela, a água se acumulou na cabeceira do rio e agora está descendo rumo a Manaus, o que ocasionou um aumento no volume de água.
“A área de influência sobre o Rio Negro é muito grande. Ele vem desde a Colômbia e ali toda a região norte do Amazonas, São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos, toda aquela região, ela vai drenando e acumulando água. O volume de chuvas que caiu em toda essa bacia é que vai nos dizer se vamos ter uma grande inundação ou não”, afirmou.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Jochen Schongart contou que o órgão chegou a publicar um artigo científico em parceria com a Universidade de Leets, do Reino Unido, sobre as cheias no Amazonas. De acordo com ele, o fenômeno vem acontecendo devido às grandes variações climáticas.
“No período de 1990 a 2015, o Atlântico estava aquecido, enquanto o Pacífico Equatorial estava em um esfriamento. Então, essa diferença na pressão atmosférica nos dois oceanos intensificou aquela circulação atmosférica, trazendo mais nuvens, mais chuva e, consequentemente aumento das cheias”, defendeu o cientista.
Ele explicou que os cientistas também analisaram fatores causados pelo ser humano, como o aumento de gases do efeito estufa.
“Nós identificamos um componente ligado com as mudanças climáticas globais causadas pelo ser humano, principalmente em relação ao cinturão de ventos no hemisfério Sul que migrou para a Antártida. Tem pesquisas que indicam que tem a ver com o Buraco de Ozônio em cima da Antártida e com o aumento de gases do efeito estufa na atmosfera, e isso abriu uma porta para que águas quentes do Oceano Índico entrassem no atlântico aquecendo ele mais ainda”.
Problema é antigo
Segundo a Defesa Civil do Amazonas, mais de 400 mil pessoas já foram afetadas pelas cheias em todo o estado. Só em Manaus, o órgão municipal estima que 4 mil pessoas sejam impactadas diretamente. No interior, 25 municípios estão em situação de emergência e muitas famílias precisaram ser retiradas das suas casas, que foram completamente inundadas.
Para Jochen, quem mais sofre com as inundações são os pequenos produtores rurais e quem vive da agricultura familiar, que perdem quase todas as plantações e até rebanhos inteiros.https://ba0f3e14eedc0d4931a01cbe5b31881c.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“As áreas rurais de várzea, onde temos a maior densidade populacional [no interior], pessoal sofre impacto direto, principalmente porque são áreas destinadas para a agricultura, para a pecuária, porque eles tem que recolocar o gado em jangadas ou em marombas, que envolve custos e perdas. E nas áreas da agricultura as safras são afetadas, porque as plantas não têm tempo suficiente para amadurecer”, destacou.
Já em Manaus, o fenômeno expõe ainda mais a falta de saneamento básico e, com isso, pode levar a um aparecimento de doenças e de animais perigosos, como cobras e jacarés, nas casas de quem já divide o pouco que tem com a água.
“As pessoas que moram em zonas urbanas críticas, ao longo de igarapés que ficam represados pelo rio, ali tem muito esgoto, acumulo de lixos. Também no Centro ou em outros bairros onde todo esse esgoto está sendo empurrado para cima pela água, isso é um impacto para a saúde pela falta de saneamento. Temos relatos de animais perigosos chegando nas casas, é uma demanda que precisa sanar”.
Por fim, o pesquisador também disse que é preciso sentar e avaliar o problema. Ele propõe, inclusive, que casas e até municípios sejam retirados das áreas críticas e reconstruídos em locais longe dos rios, já que a tendência é que o fenômeno das cheias no Amazonas esteja longe de terminar.
“Se você tem um aumento na frequência, na magnitude das cheias, onde esses lugares críticos ficaram sete vezes inundados nos últimos anos, tem municípios inteiros nas calhas dos rios, como Anamã, Careiro da Várzea, Barreirinha e outros, tem que refletir sobre o prejuízo dos impactos dessas cheias e pensar se não faz sentido de retirar as moradias ou até os municípios desses locais críticos e reconstruir em áreas mais seguras. É muito provável que esse problema continue ao longo dos próximos anos”, concluiu.
G1